Estava, por fim, sozinha. Sozinha no quarto de paredes nuas, frio como se a brisa do exterior passasse por brechas invisíveis nos blocos de obsidiana. Acercou-se da janela, banhada nos seus vidros baços por aquela lua carmesim que pairava nos céus, tornando a noite em sereno dia de sangue. Fitou-a, rubra no alto, no seu pedaço de céu sem estrelas. Algo de sombrio trespassava o sinistro astro, que lhe prendia o olhar azul e por ele parecia querer sugar-lhe a alma imaculada que as suas plumagens de breu escondiam. Mas os mesmos olhos que temiam a lua de sangue fascinavam-se pela sua visão desconcertante a emergir nos céus carregados. Apoiou os cotovelos à rocha do parapeito; um arrepio de frio percorreu-lhe a espinha por um segundo. Não o sentiu mais. O seu olhar perdeu-se - como seria possível tamanha beleza no coração das trevas?
João Campos
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