domingo, fevereiro 04, 2007

Eh pá, talvez, a questão não é assim tão simples

Embora seja mais ou menos unânime que a complexidade da questão levantada para referendo ao aborto potencia razões lógicas em ambas as facções, também não é menos verdade que em ambas elas há razões de lógica ausente. Isto faz com que a resposta à pergunta colocada não se torne linear e, por isso, directa. Muitos são os argumentos potenciais para sustentar um “sim” ou um “não”. Grande parte do movimento do “não” sustenta-se numa concepção (respeitável) de atribuição ao feto de direitos mesmo que o entendamos como apenas “potencial vida”. Ora, considerar uma vida potencial em nada diminui a atribuição de tais direitos uma vez que, para todos os efeitos, a entidade feto é separada da entidade mãe. E aqui reside a principal cisão entre as dois lados: a atribuição à vida gerada de um estatuto único e separado da entidade geradora, independentemente das razões científicas, porque aqui o argumento é exclusivamente moral .
Apesar da entidade gerada não pertencer ao mundo do físico, o raciocínio estabelecido por grande parte do “não” merece observação atenta e assenta nos seguintes pressupostos: primeiro o feto é em potência um ser humano, segundo todas os seres humanos têm direito à vida, terceiro qualquer atentado a esse direito é uma violação de um direito de terceiro e, por isso, punível.
Por outro lado, a questão levantada é a potencial despenalização do acto e não a liberalização da IVG. Há, como está bom de ver, diferenças entre os dois conceitos. Uma coisa é dizer que o aborto (até às dez semanas e fora as situações estipuladas legalmente) é um acto não classificado como crime outra, completamente diferente, é dizer que esse acto é liberalizado e, por isso, total e incondicionalmente isento de condenação moral e legal. Parece-me evidente que ninguém com o mínimo de consciência defende a segunda hipótese. Para além disso, a questão levantada pressupõe a consideração de dois lados do processo e não apenas um. Se por um lado temos todas as situações ligadas à vida da mãe decorrentes de um aborto, também não é menos verdade que há uma outra entidade digna de observação e defesa, o feto.
A defesa de posições de “sim” é mais fácil de ser feita, basta pensarmos que todos concordamos que os sistemas de planeamento familiar não funcionam com a eficácia que deviam, que os métodos anticonceptivos não são totalmente infalíveis e que as gravidezes indesejadas acontecem. Contudo a resposta a uma pergunta de despenalização não se limita a esta análise. O que se procura é saber se o Estado, entendido como organização política da sociedade, deve penalizar como crime o aborto em qualquer circunstância e sem qualquer limite legal. Ora, na minha visão, é pecar claramente por excesso dizer que se despenaliza o aborto em qualquer circunstância sendo que a definição das situações excepcionais em que se considera que o acto é moral e legalmente admissível é possível, desejável e preferível.

João Teago Figueiredo - Ghent