quinta-feira, fevereiro 03, 2005

Cometa Halley

Diz João Pereira Coutinho em entrevista ao Correio da Manhã (sim, sei que a entrevista já tem a poeira virtual de uns bons dias em cima... mas sou apologista da filosofia "mais vale tarde que nunca", que , aliás, constitui neste momento a única filosofia que se deve acreditar para a salvação deste país), quando interrogado acerca da possibilidade de Saramago regressar a Portugal e de Lobo Antunes ganhar o Nobel da Literatura, que para um país como Portugal, o Nobel a Saramago é como o cometa Haley. Passou por cá em 1997, voltará a passar daqui a um século. O que é muito bom: retira das costas do escriba nacional o peso de escrever prosa ‘humanista’ ou ‘ideológica’, ao gosto da Academia. Deixemos essas vigarices para as gerações vindouras.
Soa bem. Encaixa ainda melhor. No fundo, o Nobel acaba por ser como os Óscares: parece um prémio de âmbito alargado, mas obedece a "lobbies", e exclui à partida uma imensidão dentro do universo do qual faz parte - e é nessa imensidão que, muitas vezes, se encontra o que de melhor a literatura ou o cinema têm para oferecer. Tolkien dificilmente ganharia um Nobel, mesmo tendo a sua obra sido imaginativa como muito poucas. Da mesma forma que Matrix não foi considerado pela Academia como o melhor filme de 1999, mesmo não tendo nenhum outro filme dos anos 90 tido a profundidade ou constituído a revolução que a mente dos manos Wachovsky concretizou.
Raras vezes os prémios culturais premeiam efectivamente os melhores. Não é como uma corrida de cavalos, em que o cavalo que cruza a meta primeiro é o vencedor para toda a gente: na cultura, tudo é subjectivo. Por isso, muita gente me vai dizer que o Matrix é apenas uma festa de efeitos especiais, e que Tolkien nem é nada de especial, para além de ser extremamente maçador.
Por isso (e por muitos outros aspectos, mas não desmoralizemos e centremo-nos apenas neste) eu nunca ganharei um Nobel da Literatura ou um Óscar de Melhor Argumento. Mas sonhar não custa, e ainda é livre de impostos. Ainda.
João Campos