segunda-feira, março 20, 2006

Comentário cinéfilo

Ser o filme de abertura do maior festival de cinema do país não é, definitivamente, para todos. E "coisa ruim" não deixa que alguém possa ter argumentos para achar que a escolha foi errada. É certo que já não estava à espera de um filme tipicamente português, naquilo que de pior a cinematografia lusa tem. Como no caso de "O crime do padre Amaro", em que o facto de ter ficado famoso se deveu unicamente (note-se que aqui me limito a constatar) ao facto de ter tido uma tal de Soraia Chaves (ou melhor, o seu corpo) como ingrediente de sucesso. No filme de Rodrigo Guedes de Carvalho os argumentos são indiscutivelmente outros. O argumento é digno desse nome e sustenta uma concepção quase cénica da realização e da fotografia. Sem que seja um filme de terror é, sem dúvida, um filme rotulável como "fantástico", bem na calha do que o Fantas nos vem habituando.
Aquilo que mais me encheu o olho foi a maneira como o Tiago Guedes e o Frederico Serra contam uma história, que apesar de ser só por si uma óptima matéria prima podia ser delapidada com uma má abordagem de realização. Não é esse o caso deste filme. A personagem central da trama é aquilo a que os realizadores mais deram atenção: a casa. Que aqui funciona na plenitude como factor de originalidade e beleza fotográfica. Muito por essa razão este filme é um dos objectos mais preciosos do novo e moderno cinema português, não apenas por conseguir suster o interesse do espectador ao filme até ao seu desfecho, mas também por deliciosas abordagens de fotografia que aumentam a excelente corporização que os actores fazem da própria história.
Para aqueles que forem ver a obra na esperança de ter um filme de sustos americanizado, irão sair da sala a pensar que era melhor ter gasto os cinco euros em alfinetes ou "Cotonetes Prestígio"1. A prestação dos actores é, também, um dos mais vigorosos atrativos do filme. Com particular destaque para Adriano Luz e Manuela Couto que muito bem transmitem o espírito do argumento. E agora para manifestar a minha parte de parcialidade na opinião, que não deixa de ser sincera, não posso deixar de dar os parabéns à Sara Carinhas que faz da Sofia uma coisa tudo menos ruim.


1 - Há aqui uma referência a um dos artigos do mestre Ricardo Araújo Pereira numa das edições da revista semanal Visão, que estive a ler hoje.

João Teago Figueiredo