Imbecilidade electrónica
Não há dia que passe em que não receba, em qualquer das minhas caixas de correio electrónico, um e-mail imbecil. Outro francamente imbecil. E outro que, de tão imbecil, já constitua em si um atentado à própria imbecilidade. Anos passam e a dúvida subsiste: que fazem as pessoas que dedicam meia hora que seja a mandar via e-mail coisas ridículas e absolutamente inúteis?
Se calhar é melhor reformular: que não fazem as pessoas que dedicam meia hora que seja a mandar via e-mail coisas ridículas e absolutamente inúteis?
Uma polémica pessoal acerca do tema, faz agora um ano, suscitou respostas curiosas. Revoltei-me contra aquelas correntes electrónicas segundo as quais, se não passarmos as missivas a não-sei-quantos endereços, sofremos um castigo místico qualquer, uma maldição virtual - a acreditar nisso, nunca mais na vida vou dar uma queca. Disseram-me que me mandavam forwards porque se lembravam de mim. Porque gostavam de mim. Disparate. Mandam-me forwards porque, simplesmente, têm o meu endereço de e-mail, e na hora de re-enviar, ele está ao alcance do ponteiro do rato. Ninguém - salvo uma honrosa excepção - arranja um texto que fale sobre o mito do Ragnarok ou de Arienrhod e pensa "sei que o João adora mitologias, deixa cá mandar-lhe isto, que de certeza que ele vai gostar". Em compensação, sou fuzilado constantemente nos meus domínios electrónicos com ficheiros de powerpoint melodramáticos que nunca vejo (dá demasiado trabalho e rouba-me tempo para jogar computador ou, de vez em quando, para estudar) e com anedotas já celebrizadas ridiculamente por Fernando Rocha. Curioso - salvo a mesma honrosa excepção (que já merece que lhe mande um beijo), já perdi a conta de há quantos anos não recebo um e-mail que diga simplesmente "olá! como estás?".
O reenvio de forwards não é uma forma de se lembrar de alguém, nem uma forma de manifestação de afecto, mesmo que se mande um powerpoint que, em doze diapositivos, diga 2843528434637 vezes "amo-te". É apenas uma moda bacoca que, subliminarmente, vai passando diariamente milhões de endereços de correio electrónico para bases de dados responsáveis por spam diverso, que não raras vezes inclui vírus informáticos. É um disparate generalizado movido por indivíduos que mais não têm que fazer do que criar ficheiros inúteis e sem autoria para difundir globalmente. É, de forma velada, um consumismo gratuito que muito bem atesta o desinteresse, por exemplo, pela forma como os deuses nórdicos arrasaram os seus inimigos na derradeira batalha. Ou por uma vasta míriade de assuntos verdadeiramente interessantes. Em suma: é a promoção do facilitismo, em detrimento do conhecimento.
João Campos
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