sexta-feira, julho 29, 2005

15 minutos

Algés, 11h30 da manhã. A fila do 50 batia recordes. A da bilheteira também. O sol já suficientemente forte para a fazer arrepender-se de ter trazido a camisola (apesar do vento). No espírito uma ligeira sensação de double-bind: ou se acrescentava directamente à fila do 50 (cujo comprimento indiciava que o próximo autocarro estava prestes a chegar) ou tirava a senha na bilheteira, arriscando-se a perder o autocarro mas com a certeza de poupar 1€40 (com mais 60 cêntimos, poderia alugar um filme). Acabaria por optar, com sonâmbula indiferença, pela última hipótese.
11h38. Chegada do primeiro 50. À sua frente meia dúzia de pessoas, ainda. Ela, porém, tranquila. O chauffeur teria ainda de ir ao WC, tomaria ainda o seu café, deter-se-ia ainda em animado diálogo com o colega do 23 – enquanto os utentes estorricavam ao sol, à espera de um autocarro, qualquer autocarro, que os levasse ao seu destino.
11h40. Chegada do segundo 50. O primeiro arrancaria um minuto depois (que até parece mal estarem dois 50’s parados no terminal. Pode muito bem dar a ideia de que os funcionários usam e abusam dos breaks, o que, apesar de ser verdade, não convém). À sua frente, duas pessoas apenas, uma já despachada, a outra prestes a ser atendida e cheia de pressa. Ela – tranquila. Seriam ainda precisos alguns minutos (poucos, mas suficientes) para que todas aquelas pessoas se enfiassem dentro do autocarro.
11h42. Frente a frente com o funcionário da bilheteira. Diálogo nulo – apenas um dedo (o indicador) esticado e uma nota de 5 euros atirada para cima do balcão. Recebe, em troca, um bilhete de autocarro e 3€60 de troco. No final um muito bem-educado «Obrigada». Em diálogo interior com a sua consciência, desculpava-se pesarosamente com as horas de sono (ou falta de).
11h43. Partida do segundo 50. Contornaria a paragem e seguiria, vazio, para Benfica.
11h45. Partida do primeiro 50. Reter-se-ia dez metros adiante, perante o sinal vermelho dos semáforos. A necessidade do sprint fê-la arrepender-se, por momentos, de ter trazido a saia. Bateria na porta fechada com os nós dos dedos, olharia candidamente para o chauffeur, um gesto discreto, uma carinha de anjo. Intransigente, o funcionário ergueria o dedo (o indicador, novamente) e fá-lo-ia tombar para a esquerda e para a direita (sucessivamente, como um adulto para uma criancinha), negando-lhe a entrada, subitamente aplicado no cumprimento da lei e da ordem, sentindo-se muito competente e importante na sua farda azul clara de funcionário da Carris.
Ela – tranquila. Se tivesse correspondido ao seu primeiro impulso, teria certamente feito uma careta, com cara de má e com a língua de fora (como uma criancinha). Em vez disso, virou costas e caminhou em direcção à paragem, resignada (como um adulto).

Susana