quinta-feira, setembro 22, 2005

Educação II

O meu caso, Maria Helena, é diferente. Repare que, na prática, eu sou um "moço de aldeia". Vivi até aos dezoito anos lá na santa terrinha, e, verdade seja dita, pouco mundo conheci (ou conheço). Há diferenças entre cidade e o campo - o conto infantil dos dois ratinhos esconde mais metáforas do que muitos adultos pensam. E uma delas passa precisamente pela relação entre pais e filhos. Num meio pequeno, onde as crianças vão a pé (ou, quanto muito, na carrinha da junta de freguesia) para a escola e os pais a pé para o trabalho, o contacto entre ambas as partes é forçosamente maior. Para além do mais, são meios onde toda a gente se conhece - para o bem e para o mal. O que falta em privacidade, se quisermos, é compensado por afecto, reconhecimento, confiança. Nascer e viver no mundo rural, ainda que não se esteja ligado a qualquer actividade agrícola - o meu caso - molda as relações humanas de forma diferente. Estereotipando o problema - as pessoas, por muitos defeito que tenham (e têm mesmo), são mais humildes, mais generosas, mais preocupadas. Dizem mal, mas ajudam quando é necessário. Estão lá.
O próprio ritmo de vida é diametralmente distinto. Não há a correria desenfreada aos transportes, aos centros comerciais, aos empregos. Nas cidades é diferente. As actividades são diferentes. Repare-se que na minha aldeia, em termos de comércio, existem sete cafés, três mercearias, uma loja de pronto-a-vestir, uma papelaria/tabacaria, duas lojas de electrodomésticos, uma cabeleireira, um barbeiro e uma oficina de motorizadas. Só isto é incoparavelmente menos do que o centro comercial Colombo. Aliás, juntos, todos os espaços que mencionei teriam uma área menor do que o Continente que está no c.c. Colombo. Pelo mesmo centro comercial, entre o meio-dia e as duas da tarde, passam mais pessoas do que a população efectiva da minha frequesia. Face a estas assimetrias, é evidente que as diferenças têm de emergir.
Voltando à questão, que acabei por divagar: nada disto do que disse invalida a minha ideia de que os pais de hoje compram a educação aos filhos. Pense-se no tempo efectivo que passam com os filhos. É pouco. E pense-se em todos os luxos - roupas de marca, consolas, videojogos, telemóveis, etc. - que os miúdos de hoje em dia têm. A televisão, nesse aspecto, contribuiu decisivamente tanto para o arrefecimento de relações como para a sua "mercantilização". Entretém (com qualidade duvidosa, mas não é esse o ponto) as crianças, deixando-as mais sossegadas, ao mesmo tempo que lhe impõe as "modas", os gostos. Fornece uma educação paralela, cuja agulha aponta sempre para o consumo. Porque se queres ser como a não-sei-quantas da novela das sete tens de te vestir assim e comer assado, and so on. É a "ama-electrónica". E convém a ambas as partes.
Não defendo que um pai bata num filho como castigo por algum acto, como se o miúdo fosse o cachorro do Pavlov a espumar da boca ao ouvir a sineta. No entanto, o afastamento dos pais e a aproximação dos meios digitais sem controlo é incomparavelmente mais perigosa do que um par de bofetadas por teimar em não comer a sopa.
João Campos