quarta-feira, setembro 28, 2005

Um paradoxo de desenvolvimento

A ligar a minha aldeia à vila de Odemira - sede de concelho, e onde existe a escola secundária e os serviços - existem dois autocarros. Um tem um percurso longo que demora um pouco mais de uma hora, por uma estrada razoavelmente pavimentada mas vertiginosamente aos "ésses". O outro tem um percurso de apenas 31 kms, que, contabilizando o máximo de paragens, se faz em 45 minutos, numa estrada digna de qualquer circuito de ralis.
Breve história desta via municipal*: foi contruída há alguns anos, mas com graves erros de concepção. Não tem qualquer sinalização, traço, berma ou protecção lateral. As cheias de 1997 causaram danos que ainda hoje são bem visíveis. Um pequeno trecho, um quilómetro após a saída da aldeia, abateu - literalmente, tendo a Câmara, ao invés de reparar convenietemente a enorme vala, feito com alcatrão uma rampa para entrar no buraco e outra para sair. Os inúmeros buracos da estrada são (muito) periodicamente tapados, mas sem recurso ao cilindro. Ou seja, deixa de haver buracos para passar a haver lombas. Até o alcatrão sair por acção das chuvas, dos camiões ou do que quer que seja. Nestas condições, surpreende que tenha havido tão poucos acidentes naquela via ao longo dos anos. Mas a estrada mantém-se assim, e de quatro em quatro anos é promessa eleitoral.
Adiante. Falava eu dos autocarros. Já vi os percursos; vamos agora aos horários. O do percurso mais longo sai de Sabóia às oito e meia da manhã e apenas parte de odemira às seis e meia da tarde. O outro regressa de Odemira para Sabóia (pelo percurso mais longo) à uma e meia da tarde, distribui os alunos da Escola C+S de Sabóia pelas povoações locais, e regressa - fora de serviço, imagine-se! - a Odemira, pelo percurso menos longo. Uma vez em Odemira, vai até à aldeia de Sta. Clara a Velha (a cinco quilómetros de distância).
O que quero com isto dizer é que uma família que eventualmente quisesse ir trabalhar para Odemira nunca poderia escolher a minha aldeia para morar, a menos que se dispusesse a andar de carro todos os dias - o que os acessos desaconselham. Não existe flexibilidade de horários. Aliás, Sabóia e Santa Clara têm uma estação de comboios, mas não há autocarros para transbordo. A justificação da empresa de transportes é simples: não é rentável, não há pessoas suficientes. E irá porventura haver, se as condições não mudarem?
Dei a minha aldeia como exemplo, mas poderia citar centenas de aldeias do interior do país. Lugares semi-esquecidos onde nada se faz porque os números da população local tal não justificam. No entanto, isto não impede o poder político de ficar preocupado com o êxodo rural. É irónico, quase tão irónico como este paradoxo de desenvolvimento.
João Campos
*consta que a estrada está agora a ser reparada (quando são as eleições autárquicas mesmo?). Mas apenas metade do percurso, desde Sabóia à aldeia da Portela da Fonte Santa. Parece que não é uma estrada, mas duas. Enfim. Duvido seriamente da qualidade das reparações - e creio que, independentemente de quem ganhar as eleições, o poder local só se vai lembrar da outra metade da estrada daqui a quatro anos.