quarta-feira, março 22, 2006

O inadaptado

Estou mais ou menos habituado às bocas, mais ou menos directas, mais ou menos brincalhonas, que me associam à extrema direita. Na maior parte das vezes, rio-me da piada com alguma condescendência, como se fosse apenas uma caricatura devida ao facto de me assumir de direita num país com uma triste predominância canhota. Convenhamos que as botinhas de biqueira de aço e o heavy metal não ajudam a devanecer esta ideia, mas todos sabemos como as aparências iludem - e muito. Adiante. Há vários motivos que me afastam daquele pólo ideológico. Recorrendo um pouco a estereótipos:
- apesar das botas nas extremidades inferiores, a extremidade superior apresenta, frequentemente, demasiada pilosidade (por outras palavras, sou gadelhudo);
- não sou, de perto ou de longe, nacionalista. Se o inenarrável João da Ega, n' Os Maias, era apologista da invasão espanhola, eu apenas espero, como é moda nos dias que correm, uma OPA espanhola ao estado português. Para além disso, não me entusiasmam particularmente os triunfos (ou os desaires) da Selecção Nacional (apenas porque o futebol não me emociona rigorosamente nada);
- não defendo ódio racial ou qualquer preconceito. Cada um como cada qual, ora bem. Desde que não me chateiem;
- etc.
No entanto, há coisas que me aborrecem. Por exemplo, poder comprar o Capital na Fnac, lê-lo alegremente no autocarro sem que olhem para mim com repulsa, mas não poder adquirir, nem que fosse apenas para leitura secreta, no quarto, à hora a que toda a cidade dorme, o Mein Kampf - não por motivos ideológicos, mas por pura curiosidade. O facto de não haver um partido político com o qual me identifique mesmo (e já agora, um líder político da direita liberal - é uma chatice sempre que se vai a votos, tenho de eleger por aproximação ou por mal menor). Enfim.
João Campos