terça-feira, julho 11, 2006

Fanatismos irreligiosos

Isto surgiu-me a propósito deste artigo do Bruno Cardoso Reis (já agora, há que colocar ali ao lado um link para O Amigo do Povo), que subscrevo na íntegra, acerca do Diário Ateísta. Recordo-me de um dos primeiros pensamentos que me ocorreu, há algum tempo, quando pela primeira vez acedi ao site e li os seus artigos:

"Volta, Afonso Costa, estás perdoado!"

Claro que o conceito de "diário ateísta" está francamente mal aproveitado. Um ateu, no meu humilde entender, é alguém que nega a divindade. Claro que pode-se sempre entrar na discussão sobre o conceito de negação, e se a negação não implica o reconhecimento da existência, mas a lógica ainda não é o meu forte. De qualquer maneira, esta descrição encaixa-se perfeitamente nos senhores e nas senhoras que escrevem o Diário: odeiam a divindade, odeiam as religiões e respectivas manifestações. Destilam esse ódio a um ritmo diário. Quase sempre, claro, contra a Igreja Católica. É moda, entenda-se.

Não se odeia aquilo que não existe... mas já tinha dito não à lógica. É que o Diário não a tem. Se tivesse, proporcionaria discussões interessantes (o ateísmo decerto terá interessantes pontos de vista históricos, sociais, científicos, entre outros, para debater). Para este debate, abriria as portas do seu templo a ateus, agnósticos e crentes de vários credos. Em nome do pluralismo. Em nome de uma discussão viva, de uma troca de argumentos inteligentes da qual todos, comentadores e autores, saíriam a aprender alguma coisa.

Mas não. Ao invés, o Diário dedica 90% do seu tempo a atacar fanaticamente a "fanática" instituição que sempre foi a Igreja Católica. O que é curioso e simultaneamente irónico: acusa o condena de forma fanática. Insurge-se contra os dogmas da Igreja, como o celibato, o matrimónio, o baptismo, e, possivelmente, até contra a extrema-unção. Esquecendo-se, como é evidente, de que freiras, padres, frades, e todos os elementos da igreja católica, seguiram aquela instituição e aquela religião por escolha própria. Nem se coloca a questão da fé. Essa, como dizia Kierkegaard, is beyond logic. Haja bom senso. E coerência.

A condenação dos crimes passados da Igreja também é, como não podia deixar de ser, tema recorrente. Outra vez a mesma falta de coerência. Se a Igreja não lhes interessasse minimamente, as Cruzadas, a Inquisição ou as teorias de conspiração que apontam para a conivência do Vaticano com o Holocausto interessar-lhes-iam apenas de um ponto de vista histórico - e não de um ponto de vista de uma "descristianização". Os crimes da Igreja servem apenas para provar que todos aqueles que nos seus preceitos acreditam são imbecis. Mas nada como dar a voz aos protagonistas:

Façam-me o favor de considerar que é precisamente assim que um ateu vê um cristão, um muçulmano, um judeu ou qualquer outro teísta, tenha ou não a sua fé uma designação atribuída, chame-lhe ou não «uma força superior inexplicável».

Vê-o exactamente, não com superioridade ou sobranceria, mas como uma mera e simples curiosidade antropológica, tão primitiva que é até oriunda da Idade da Pedra.
Vê os ritos e os cultos que o crente pratica como um lamentável desperdício de tempo e tem até pena daquela "pobre gente" pela infantilidade e completa inutilidade dessa prática.
Lamenta até as vidas humanas completamente perdidas e desperdiçadas em oração, em contemplação, em auto-amesquinhamento e em louvor do "Senhor" quando, de facto, não há "Senhor", não há Deus «Cágau» nenhum.

Um crente é, para estes iluminados, uma curiosidade antropológica, primitiva, da Idade da Pedra. A crença é um lamentável desperdício de tempo. O ateu, do alto do seu pedestal (porque este trecho tresanda a complexo de superioridade), tem pena daquela pobre gente, por a sua infatilidade, pelo seu auto-amesquinhamento perante uma entidade que consideram Superior. Isto, estou em crer, é o maior exemplo de tolerância e de respeito para com o próximo que nos últimos tempos tive oportunidade de ler.

Pois para mim, que sou um crente assim-assim, mais a dar para o agnosticismo, um crente é alguém que escolhe empregar (e não desperdiçar) o seu tempo numa religião. É alguém que acredita na transcendência, mas que não sabe porquê. E que considera essa pergunta irrelevante. Acredita, apenas. Alguém que se considera insignificante - porque o somos, de facto (after all, we are all dust of the stars). Alguém que não tem forçosamente de viver ainda no Neolítico. Alguém a quem a crença dá uma última esperança - e que tem o direito de não querer que essa esperança seja roubada. Mesmo que seja falsa - o crente morre com ela. Nunca o vai saber. E que será preferível: morrer numa angustiante realidade, ou numa reconfortante ilusão?

Cada um que escolha a sua.

Mas claro que para os novos discípulos de Afonso Costa, isto não interessa para nada. Eles temtam "abrir os olhos à pobre gente". Os religiosos em geral, e os católicos em particular, são intolerantes, extremistas, dogmáticos, conservadores. Estes ateístas são liberais e tolerantes. No seu blog, há muito que os comentários de crentes desapareceram - se algum ainda subsiste, gabo a paciência. Porque, do que me lembro das primeiras visitas, os crentes que se atreviam a contestar os dogmas dos meninos ateus eram flagelados em praça pública. Não havia qualquer tentativa de debater o que quer que fosse. De argumentar. Mais facilmente se chegava ao insulto. Contentes ficariam eles se a religião, como o fumo, fosse proibida. Se os crentes fossem proscritos. Claro que, sem religião, não existiriam ateus...

E já escrevi de mais. É para compensar a intermitência a que tenho votado os meus blogs. Mas o artigo do Bruno trouxe-me à memória o Diário - que deixei de ler pelos motivos que acima expliquei. Não me dou bem com a intolerância. Como nota final, apenas uma consideração: que os meus filhos sejam, um dia, educados com os valores católicos, não me importará. Ser amigo do próximo, não roubar, não ser preguiçoso ou não matar parecem-me a mim excelentes valores a seguir. Apenas espero, com deus ou sem deus, que não se convertam à intolerância, ao fanatismo.

João Campos