sexta-feira, junho 01, 2007

Ah, o belo do flaming II

Caro anónimo. Ou melhor, caro Zé. É um bocado chato estar a tratar alguém por "anónimo", e como insiste em não assinar o que escreve (é um fenómeno deveras curioso, o dos anónimos da blogosfera que comentam, discordam, insultam,e criticam, escondidos debaixo da capa do anonimato, bloggers cujos textos são assinados), recorro a esta solução de compromisso. Como é um nome razoavelmente comum, pode ser que acerte. Adiante. Caro Zé: agradeço os parabéns, mas com esta não posso ir ao Guiness, já que houve pelo menos uma nota mais alta, no mesmo trabalho, na turma. 17, se não me engano. Sim, sou novinho - não um "bebézinho", mas ainda me posso orgulhar da minha juventude. Que a câmara de Odemira faça imensas coisas, não duvido. Que essas coisas constituam prioridades já é outra questão bem diferente. Para ilustrar esta situação, passo a publico novamente um artigo que escrevi há três anos, no meu primeiro blog (entretanto fora da rede):

[Sabóia] É uma terra simpática. É pena que esteja tão abandalhada. É que é mesmo esta a expressão: abandalhada. Sim, porque graças a Deus, temos uma Câmara Municipal que se preocupa muito connosco e com o nosso bem-estar!
Passo a explicar os motivos que me fazem falar da Câmara Municipal de Odemira de forma tão irónica e depreciativa, no que à minha aldeia diz respeito:
Chegar a Sabóia é um sarilho. Temos a EN 123 que, em território alentejano, quase parece um pista do circuito nacional de rallies (quando passamos para o lado algarvio, na Serra de Monchique, deparamo-nos com uma estrada excelente; a diferença é como a do dia para a noite, ou da água para o whisky). E temos a estrada municipal, que liga Sabóia à Boavista dos Pinheiros. Nem falo desta estrada, porque dificilmente encontrarei no nosso léxico palavras que a descrevam. Se têm amor aos vossos carros, keep away!
E depois há os engenheiros e empreiteiros ao serviço da Câmara, que são uns tipos com visão. E com jeito para a coisa. As estradas são péssimas, cheias de buracos (correcção: não há, na minha zona, estradas com buracos. Temos, sim, buracos com bocadinhos de estrada lá pelo meio, bem escondidos para passarem despercebidos). E, quando alguém se lembra de fazer obras para melhorar as coisas (após milhões de interjeições proferidas pelos desgraçados dos condutores que por lá conduzem), o que faz? Arranjam a estrada como deve ser? Não. Enchem os buracos com uma mistura de alcatrão e gravilha. Resultado: em vez de buracos, passamos a ter lombas irregulares (segunda correcção: deixamos de ter um buraco com estrada para ter uma lomba com estrada à mistura). Escusado será dizer que os condutores não circulam muito depressa por lá.
Outro talento natural dos manda-chuva lá do sítio manifesta-se na área da construção civil. Vamos a um exemplo prático? Há tempos começou a ser construída a segunda parte do Bairro Social de Sabóia (onde agora tenho uma casita). Como o terreno era inclinado, teve de se recorrer a uma terraplanagem. Demarcaram-se os lotes, que foram sorteados e atribuídos. Até aqui, tudo bem.
Segundo os poucos conhecimentos que tenho de planeamento e urbanização, creio que as coisas se costumam processar, normalmente, assim: após a demarcação dos lotes, e todos os procedimentos legais (e que, de acordo com a boa tradição portuguesa, são tão burocráticos que não lembram ao Menino Jesus), entram em acção as equipas de construção camarárias, que fazem os arruamentos, saneamento básico, rede de distribuição de água e electricidade. Os equipamentos para a rede telefónica são preparados para a empresa responsável. As ruas são dotadas de passeios pedestres e iluminação. E somente depois disto tudo é que os diferentes empreiteiros pagos pelos donos dos lotes entram em acção e começam a construir as habitações.
Pois. Evidentemente que nada disto aconteceu lá. Porque duvido que alguém naquela Câmara (que deve ter três vezes mais funcionários do que necessitava para funcionar a 100% - típico dos socialistas) alguma vez tenha ouvido falar em planeamento e ordenamento urbano. No meu bairro, a Câmara não mexeu uma palha. Mal os lotes foram sorteados, os diferentes empreiteiros foram para o local construir as residências. O que foi muito curioso: estavam algumas casas quase prontas, e ainda nem os esgotos estavam a começar a ser feitos. A CMO, para não dar muito nas vistas, e até porque os primeiros "colonos" (entre os quais me incluía eu e a minha família) estavam a chegar ao local, mandou construir o saneamento básico e a rede de distribuição de água. E mais nada, até à data da minha visita ao local, a 29 de Fevereiro do corrente ano. Ou seja: desde Setembro de 2003 que moro numa casa sem telefone e que só tem electricidade porque o Presidente da Junta de Sabóia – por sinal, o empreiteiro que construiu a casa – colocou lá aquilo a que nós chamamos de "luz de obra". Mas o quadro eléctrico é evidentemente fraco para servir quatro habitações (construídas e habitadas até agora), o que faz com que ele dispare de por acaso a minha mãe e a vizinha de baixo ligarem, de noite, as máquinas de lavar roupa ao mesmo tempo. Iluminação na rua, só em noites de céu limpo e lua cheia. A rua não existe – é terra batida, ou seja, poeira de Verão e lama de Inverno. Passeio pedestre junto à porta? Era bom, era. A borda do passeio já está feita. Mas o enchimento geral não. É um buraco. Ou melhor, um fosso (aquilo parece quase um castelo medieval). Tivemos de construir estrados de madeira para conseguirmos colocar o carro na garagem e para entrarmos em casa sem nos enfiarmos fosso adentro. Positivo.
Cada fim-de-semana que vou a casa é uma descoberta. A expectativa é sempre grande: "será que aqueles gajos já fizeram alguma coisa?" Desde Outubro, esta é a minha desilusão quinzenal.
Claro que as coisas não vão ser sempre assim. Quanto muito, seis meses antes das eleições a Câmara, numa cruzada pelo voto, manda para o terreno as suas tropas e deixa aquele bairro num brinquinho. Bom, mesmo, era que houvesse eleições autárquicas de seis em seis meses. Assim, aquela cambada estava sempre a trabalhar.

Não sejamos, no entanto, injustos: a situação já está resolvida há algum tempo. Desde, se não me engano, 2005. Com as eleições autárquicas a aproximarem-se, e até porque há tachos a manter, lá foram, como bem escrevi em 2004, os paladinos da câmara tratar de por o bairro municipal num brinquinho. E puseram, de facto. Electricidade, arruamentos, iluminação de qualidade - sem ironia, aqui. A rotunda de Sabóia foi arranjada, e a estrada até à Boavista também, e como deve ser. Veja lá, a dita estrada, pela primeira vez em tantos anos de existência, soube o que eram sinais de trânsito, rails e traços contínuos! Mas - e aqui está o busílis - foi arranjada apenas até à ponte antes do Monte Sobreiro. De lá até à Boavista continua miserável. Lá está, entretanto as eleições aconteceram, foram ganhas, já não há motivo para continuar maquilhado.

Zé, percebe o ponto? Que me interessa a mim que a câmara faça imensas coisas, até "em prol dos mais jovens", quando durante dois anos eu e a minha família vivemos naquela miséria graças à incompetência da câmara. Que me interessa a mim os arquivos da câmara quando eu bem sei a realidade em que vivi durante 18 anos da minha vida? Na estrada municipal acima referida, houve alguns metros, a seguir a Sabóia, que com as cheias de 97 abateram. Foi arranjado? Não: rememdado. Colocou-se alcatrão em cada uma das extremidades da cratera, fazendo assim duas pequenas rampas. Ou seja: quem lá passasse, entrava no buraco, atravessava o buraco, e saía do buraco, isto por milagroso engenho das dita rampas de alcatrão.

E mais exemplos podiam ser dados, que vão muito mais além do "diz que disse".

O Zé sabe o que é o sentido figurado. Parabéns - há muita gente que não sabe. Mas o Zé até sabe mais. Aliás, sabe tanto que até consegue dizer, melhor que o próprio autor da prosa, quando este faz uso de tal recurso estilístico. Confesso, apanhou-me. Realmente, vi a minha amiga semi-nua, agrilhoada à secretária, desgrenhada, mal nutrida, a ser chicoteada e com uma "funcionária normal" a tocar tambores atrás para marcar o compasso do trabalho. Não era de todo sentido figurado.

Camarada Zé, aqui respeitam-se opiniões. Tanto que respeito a sua que até respondi - e, para além do mais, comentários não são abundantes nesta humilde casa, pelo que a oportunidade não era, de todo, de deixar escapar. O tom mais sarcástico já faz parte, como costuma dizer a Maria Helena. Mas respeitar é diferente de "concordar", sabe?

Quanto à raiva, tenho as vacinas em dia. Mas concordo consigo - mais vale prevenir que remediar.

João Campos