quarta-feira, março 22, 2006

Pessoas na casa dele

Eram umas onze da noite, mais cabelo menos cabelo, quando principiei a volta aos blogues habituais. Abro o estado civil, do poeta Pedro Mexia, e vejo que no dia mundial da poesia a Casa Fernando Pessoa ia promover uma comemoração com sessões de leitura. Coadjuvadas por piano e clarinete, já que também ali se assinalava o nascimento de Bach. O acto iria decorrer em duas partes, uma às 18h30 com cinco dos poetas convidados e uma outra às 21h30 com os sobrantes. Entro às 18h15 na casa do mestre, o primeiro pensamento que me inunda é o de saudar a recuperação daquela casa, não só pelo facto de ter acontecido mas também por estar feita daquela maneira tão sublime e apaixonante. Percebo, ao segundo lanço de escadas em direcção à sala do segundo andar, que a casa tem vida, tem uma inefável vontade de motim. Achei na altura, e ainda agora, que isso se deve ao novo director. Via-se na maneira como recebia quem entrava e agradecia a quem saía que havia ali sede de mostrar acção, sem que isso nada implicasse de desonestidade ou show-off. E diga-se que o show estava muito on. Irrepreensivelmente cuidado, bem organizado e delicioso para quem gosta de ouvir poesia pela voz limpa dos seus autores. Mas aquilo que mais me faz escrever este post hoje é o facto de, ao invés do que supostamente aconteceria num país onde há alunos do ensino superior que respondem a uma reportagem televisiva que Luiz de Camões foi quem descobriu a Índia, ter constatado, com os olhos e a alma de queixo estendido no soalho, que numa sala com cinquenta cadeiras estavam mais de cem amantes da língua portuguesa. Amontoados solidariamente, como ambos pertencentes à mesma famíla, a famíla que ali os trouxera. Outros sentados nas escadas que levam ao terceiro piso, porque a compensação do prazer dos sentidos sufoca o desconforto do degrau. Acho que ontem, nesse instante, consegui, por momentos, esquecer a aula de economia pública que tivera nessa manhã. E fiquei a pensar, romanticamente, que podemos continuar a ter défices de cem por cento e dívidas públicas de duzentos, que com a língua ainda salvaremos a pátria.

João Teago Figueiredo