sábado, abril 08, 2006

Pérolas do Sistema Nacional de Saúde

Quando no Verão de 2004 eu trabalhava num restaurante (onde é permitido o fumo, por enquanto) na Zambujeira do Mar e adoeci, a atitude mais natural foi, no meu intervalo da tarde. após um dia de febres e de achaques vários, dirigir-me ao centro de saúde de Odemira, visto que a litoral aldeia alentejana não tem médico. Calhou bem, pensei - na altura necessitava de levar injecções para controlo de uma alergia, e assim podia fazer logo tudo.
Chego ao centro de saúde e deparo-me com uma guarda prisional com uma resma de folhas nas mãos e outra resma idêntica sobre o balcão, a ser pachorrentamente preenchida. Para quem não sabe, em Odemira existe um estabelecimento prisional feminino. Possivelmente, era dia de as reclusas irem à consulta. Adiante. Dirijo-me ao balcão, de cartão de utente em punho, e explico a minha situação. A secretária (ou lá como se chamam aquelas senhoras) digita o meu nome no computador, levanta-se. vai buscar uma ficha a uma gaveta, senta-se de novo, e enceta um diálogo singular:
"Ah! Mas você é de Sabóia!"
"Er... sim, sou."
"Ah! Mas você tem lá médico!"
Er... Sim, acho que sim."
"Ah! Mas então você não pode ser atendido aqui!"
Pasmo. Por momentos pensei que aquela situação fosse delírio provocado pelo calor do Verão alentejano e pelos meus 39º de febre.
"Minha senhora, eu sou, efectivamente de Sabóia... mas encontro-me actualmente a trabalhar na Zambujeira . Não vou para casa todos os dias, os meus patrões dão-me alojamento. E, como deve saber, na Zambujeira não há médico. Ora, tendo em conta que em Sabóia o médico dá consultas dia-sim-dia-não das nove ao meio-dia e meia, sendo que para conseguir consulta ao final da manhã teria de ir para a fila às seis da madrugada, facil é de ver que não tenho vida para isso. Então o centro de saúde de odemira agora já não funciona para todo o concelho?!"
Tristemente, as coisas nas terrinhas do interior ainda funcionam assim.
"Ah, pois... vou ver... pode ser que algum médico o atenda... mas duvido, a sua ficha está em Sabóia, é lá que tem de ir!"
Foi e voltou, segundos depois.
"Pode ser atendido, mas terá de esperar que toda a gente seja atendida."
Olho para a pilha de folhas que a guarda prisional ainda preenchia. Suspiro.
"E a vacina, posso levar?"
"Tem enfermeiro em Sabóia."
Saio do centro de saúde, dirijo-me à farmácia mais próxima e compro uma caixa de Antigripine, ou lá o que era. O sistema nacional de saúde não deixa muitas alternativas à auto-medicação. Quanto à injecção, acabei por a levar, mas após a minha mãe ter ido ao posto médico da aldeia (às sete da manhã marcar lugar) e de ter pedido ao médico local um documento comprovativo de que o enfermeiro da aldeia encontrava-se de férias e que, por conseguinte, eu teria de levar a injecção em Odemira.
Também me aconteceu adoecer aqui em Lisboa, durante o meu primeiro ano na universidade. Fui atendido no centro de saúde de S. Mamede, por pura caridade da médica de serviço. Desabafou ela que os estudantes deslocados estão "entregues à bicharada" na capital, porque a burocracia do sistema não permite tratá-los em caso de doença. A opção seria transferir os processos das terrinhas para a cidade, o que se torna inviável não só devido à burocracia do processo, mas também porque a residencia dos estudantes em Lisboa raramente é permanente (uma mudança da Estrela para as Olaias implicaria nova transferência de processo). E convém não esquecer que a própria estadia na capital é temporária - acabado o curso, nunca se sabe para onde se vai.
Isto para dizer o quê? Que pago um serviço do qual mal posso usufruir, porque as suas regras e esquemas burocráticos me marginalizam. E que tenho ainda de ouvir os paladinos da saúde pública e do politicamente correcto dizerem que os fumadores deviam pagar os próprios tratamentos. Pois. Eu, infelizmente, nem isso poderia pagar se quisesse, porque teria de ir recambiado para a santa terrinha.
João Campos

1 Comments:

Blogger Teresinha said...

tadinho.. =( sniff lol vim deixar um beijinho*

1:29 da manhã  

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