sexta-feira, abril 13, 2007

300

/sarcasm on

Peço desculpa. Equivoquei-me no último post. O filme 300 está, realmente, pejado de conotações políticas que se podem identificar com uma certa realidade política actual. É tão evidente que até uma criança de cinco anos repara nisso. Mas é claro que Xerxes (impressionantemente representado pelo brasileiro Rodrigo Santoro; mas quem é que o reconhece com aquela caracterização?) só pode ser uma alegoria a um qualquer ditadorzeco do Médio Oriente - como o camarada Ahmadinejad (que diabo, não arranjavam um nome mais fácil ao rapaz?), e que o numeroso exército persa lembra, logo, os guerreiros mujahedins ou até aqueles árabes do Lawrence da Arábia. E é evidente que os Espartanos - esses malucos que combateram até à morte - são uma alegoria do.... da... do quê mesmo? Dos americanos? Dos nazis? No meio da salganhada de críticas, perdi-me um bocado.

/sarcasm off

Agora a sério. O que vi em 300, em primeiro lugar, foi a adaptação cinematográfica de uma graphic novel com o estilo muito próprio e muito peculiar de Miller. E, como tal, o filme tem, também ele, uma estética muito peculiar. Os cenários, as cores predominantes, os planos que, por vezes, quase parecem vinhetas da banda desenhada. É uma estética particular, tal como o foi em Sin City (outra adaptação da obra de Frank Miller). É violento? Muito. Sangue a rodos, cabeças a rolar - literalmente -, membros amputados, homens e animais estropiados. Mas a guerra da Antiguidade era assim - travava-se corpo a corpo de espada ou lança na mão, na poeira do campo de batalha. Não havia espingardas de francoatirador (havia arcos, e já nem era nada mau), lança-rockets, granadas de fragmentação, artilharia aérea e bombas inteligentes. Na Segunda Guerra Mundial, no entanto, já havia quase disto tudo, e isso não impediu Spielberg de filmar os trinta minutos absolutamente gore - e absolutamente extraordinários - do início do Saving Private Ryan. A violência aqui não choca. Na verdade, a forma como é filmada, a estética que lhe é dada, confere-lhe uma beleza invulgar - tal como já acontecia em Sin City. Miller não é um autor de banda desenhada comum. As suas histórias, uma vez transpostas para filme, não poderiam nunca ser filmadas de forma comum. É dado um grande predomínio à estética? Sim, é. So what?

Quanto ao rigor histórico, convém lembrar de que 300 é um filme de ficção, ainda que baseado num acontecimento histórico verídico, e não um documentário (e vai na volta, até é bem capaz de ser bem mais rigoroso do que certos documentários aclamados por a crítica...). Claro que há quem diga que sim, que é rigoroso, e quem diga que não. Francamente, não creio que seja o ponto fundamental para criticar - não está em causa, no meu entender, o rigor histórico, mas sim o rigor para com a história (ou para com o guião, se quiserem). Tal como não era isso que estava em causa, por exemplo, com Braveheart (outro grande filme). E, deste ponto de vista, parece-me ser bastante coerente. Não creio que a ideia fosse fazer uma recriação exacta da Batalha de Termópilas, e parece-me que se fantasiou um pouco com os imortais (perdoem-me se estiver errado), que quase pareciam samurais japoneses, ou com aquela espécie de troll. Poder-se-ia ter dado um pouco mais de destaque às maquinações políticas e à rainha, mas possivelmente isso implicaria uma maior quebra na acção. Não terá sido por acaso que, a título de exemplo, Peter Jackson excluiu Tom Bombadil no seu The Lord of the Rings. Se houve coisa que recentemente aprendi, é que as histórias cinematográficas são necessariamente diferentes das histórias literárias ou, até, das histórias históricas (passe a redundância).

Há quem critique 300 por pegar em elementos de outros filmes - e, para ilustrar a tese, comparou-se o volley persa sobre os espartanos à saraivada de flechas sobre os escoceses em Braveheart. Sim, faz lembrar, mas é caso único na história do cinema? Ainda há dias em aula se comparava uma cena do filme Os Intocáveis, aquela do carrinho de bebé nas escadas, com outra análoga no clássico The Battleship Potyomkin. Sim, o realizador de Os Intocáveis pode bem ter ido beber ao clássico russo. Não terá certamente sido o primeiro, nem será o último. Puro nonsense, esta pretensão de originalidade enquanto algo absoluto. Toda a arte está pejada de elementos dos movimentos que se lhe antecederam; atacar isto será, por exemplo, reduzir toda a literatura de fantasia à obra de Tolkien, ou toda a ficção científica ao Dune de Herbert, ou ao Star Wars (ou, se quiserem ir a fontes mais antigas, às mitologias da antiguidade, ou a Júlio Verne).

Os actores cumprem o seu papel. Rodrigo Santoro no papel de Xerxes é uma surpresa, de tão bem caracterizado que está (não sei se corresponde ao real Xerxes, e nem me interessa). No geral, creio que a caracteriação é bastante boa: os nobres do conselho estão sujos e envergam togas desbotadas e gastas -o que nem sempre acontece em filmes do género, como bem se sabe.

Não é um filme imperdível, uma vez que tal conceito não existe. Certamente agradará bastante aos fãs de Miller, entre os quais me incluo. Não apanhei nada de significados ou de mensagens políticas. Vi, sim, um filme de guerra fantasiado, sim, e extremamente bem conseguido. Os heróis são, realmente heróis, e a sua bravura (e loucura) é mostrada em todo o seu esplendor. Não tem, no meu entender, nenhuma cena tão marcante como a carga da cavalaria de Rohan n'O Regresso do Rei - para mim, a melhor cena de guerra à antiga que já vi no grande écrã, mas não deixa de ser um grande filme. Com ou sem mensagem política.

João Campos

quarta-feira, abril 11, 2007

Significados políticos?

Está aí a polémica sobre o filme 300, adaptação para o cinema da graphic novel de Frank Miller, autor de Sin City (brilhantemente adaptado para filme). A polémica, contudo, não é tanto se o filme é bom ou mau - o que é sempre discutível, sobretudo se entramos nos nebulosos critérios dos críticos habituais. A polémica está em volta do significado político do filme.

Isto faz-me lembrar uma outra pequena polémica (pequena porque o filme foi alegremente ignorado pela crítica) à volta do V for Vendetta, mais uma adaptação de banda desenhada para o cinema. A história de V é mais ou menos simples: num futuro próximo, a Inglaterra vive mergulhada num regime totalitário, o qual se vem a saber que foi responsável por ataques biológicos em território do Reino Unido a fim de consolidar o seu poder a partir do caos. O protagonista, que se identifica com a letra V, é um terrorista com uma capacidade física fora do normal, devido às experiências que nele foram conduzidas, e que se quer vingar do que lhe fizeram. Mais do que isso, é um idealista da liberdade. Ora, não faltou quem daqui tirasse ilações curiosas. Que o filme era uma banhada anti-americana, por exemplo. Quando, a meu ver, o filme não tem qualquer significado do género. É uma adaptação, um elogio à luta pela liberdade. E, acima de tudo, um excelente filme, com Hugo Weaving a dar, mais uma vez, provas de um talento brilhante, e Natalie Portman... bom, a rapariga fica sempre bem nos filmes, não há muito a dizer.

Quanto a 300, amanhã irei ver. Claro que à partida o filme toca num ponto escaldante, a partir do momento em que retrata uma guerra que envolve os persas. O governo iraniano, furioso, já barafustou. Tal como barafustou pelos cartoons, e como barafustará sempre que no mundo ocidental alguém desenhar um povo muçulmanos como os mauzões da fita. Mas desse filme já estamos nós fartos, ou não?

O que acho curioso é que o mesmo género de críticas não se manifeste contra banhadas anti-americanas como Farenheit 9/11 ou An Unconvenient Truth, ambos premiados com um Óscar (o que só atesta a qualidade do dito galardão...). Esses, sim, são documentários credíveis e de qualidade. E com claro significado político. V for Vendetta é apenas um filme. Mas há, como sempre, quem confunda as coisas.

João Campos