domingo, julho 31, 2005

Problema hermenêutico

Interpretação teleológica da realidade matrimonial - Pôr termo às dietas dos indivíduos contratantes.

Miguel Moura Santos

Hoje apetecia-me escrever um post sobre, sei lá, religião ou filosofia, cheio de entradas de enciclopédia e literariamente rebuscado

mas não. Até já me cheira a Alentejo, e ainda nem saí da Estrela. Olhar para a minha pele branco-lixívia tornou-se em algo que inspira mais receio do que orgulho. Isto tudo para dizer que da minha parte não há filosofia ou religião para ninguém - cedo às reivindicações da associação sindical dos meus neurónios e dou férias à minha massa encefálica, apesar de desconfiar que ela já anda de férias há algum tempo. Vou tentar estar uma semana longe da Internet (não se riam). Mas não prometo nada.
João Campos

Palavras de Adão perante a campa de Eva

Onde quer que ela estivesse era o Éden.

sábado, julho 30, 2005

Um post que não diz nada

É que não há nada para dizer. Cada um é como cada qual, e acredita naquilo que quiser. Até na sua completa idiotice.
João Campos

O estudante de comunicação

Orgulhava-se da mestria com que metacomunicava. No entanto, não aprendera ainda (nos livros) como comunicar.

Susana

sexta-feira, julho 29, 2005

15 minutos

Algés, 11h30 da manhã. A fila do 50 batia recordes. A da bilheteira também. O sol já suficientemente forte para a fazer arrepender-se de ter trazido a camisola (apesar do vento). No espírito uma ligeira sensação de double-bind: ou se acrescentava directamente à fila do 50 (cujo comprimento indiciava que o próximo autocarro estava prestes a chegar) ou tirava a senha na bilheteira, arriscando-se a perder o autocarro mas com a certeza de poupar 1€40 (com mais 60 cêntimos, poderia alugar um filme). Acabaria por optar, com sonâmbula indiferença, pela última hipótese.
11h38. Chegada do primeiro 50. À sua frente meia dúzia de pessoas, ainda. Ela, porém, tranquila. O chauffeur teria ainda de ir ao WC, tomaria ainda o seu café, deter-se-ia ainda em animado diálogo com o colega do 23 – enquanto os utentes estorricavam ao sol, à espera de um autocarro, qualquer autocarro, que os levasse ao seu destino.
11h40. Chegada do segundo 50. O primeiro arrancaria um minuto depois (que até parece mal estarem dois 50’s parados no terminal. Pode muito bem dar a ideia de que os funcionários usam e abusam dos breaks, o que, apesar de ser verdade, não convém). À sua frente, duas pessoas apenas, uma já despachada, a outra prestes a ser atendida e cheia de pressa. Ela – tranquila. Seriam ainda precisos alguns minutos (poucos, mas suficientes) para que todas aquelas pessoas se enfiassem dentro do autocarro.
11h42. Frente a frente com o funcionário da bilheteira. Diálogo nulo – apenas um dedo (o indicador) esticado e uma nota de 5 euros atirada para cima do balcão. Recebe, em troca, um bilhete de autocarro e 3€60 de troco. No final um muito bem-educado «Obrigada». Em diálogo interior com a sua consciência, desculpava-se pesarosamente com as horas de sono (ou falta de).
11h43. Partida do segundo 50. Contornaria a paragem e seguiria, vazio, para Benfica.
11h45. Partida do primeiro 50. Reter-se-ia dez metros adiante, perante o sinal vermelho dos semáforos. A necessidade do sprint fê-la arrepender-se, por momentos, de ter trazido a saia. Bateria na porta fechada com os nós dos dedos, olharia candidamente para o chauffeur, um gesto discreto, uma carinha de anjo. Intransigente, o funcionário ergueria o dedo (o indicador, novamente) e fá-lo-ia tombar para a esquerda e para a direita (sucessivamente, como um adulto para uma criancinha), negando-lhe a entrada, subitamente aplicado no cumprimento da lei e da ordem, sentindo-se muito competente e importante na sua farda azul clara de funcionário da Carris.
Ela – tranquila. Se tivesse correspondido ao seu primeiro impulso, teria certamente feito uma careta, com cara de má e com a língua de fora (como uma criancinha). Em vez disso, virou costas e caminhou em direcção à paragem, resignada (como um adulto).

Susana

quinta-feira, julho 28, 2005

happy birthday!

Não é que dê particular importância a aniversários. Mas estes senhores merecem definitivamente toda a festa. Parabéns e que continuem assim por mais uns aninhos!
João Campos

fire at will

A polícia britânica apenas fez a sua obrigação. Não importa se o sujeito abatido resistiu ou não antes de se abrir fogo: era suspeito. Num mundo como o de hoje, esse é um motivo tão válido como outro qualquer. É uma questão de escolha: a polícia teve de decidir num segundo se eliminaria um homem suspeito, eventualmente inocente. E, se não o fizesse, quais poderiam ser as consequências. Basicamente, matou-se um inocente para, just in case, e porque é melhor prevenir do que remediar, proteger milhares de inocentes. Shit happens, como dizem os sempre pragmáticos americanos.
Azurara: eu percebo toda a retórica que envolve os direitos humanos. Mas não concordo com eles - pelo menos não nos moldes actuais, que apenas protegem os criminosos. Se alguém violar os meus direitos humanos - e basta-me recordar as três vezes em que fui assaltado -, os direitos humanos protegem quem os viola. Não aqueles cujos direitos humanos foram violados. O mais grave de tudo é que no presente momento a polícia - que, em última análise, é a instância que deve zelar para que tais direitos sejam respeitados - está completamente desprotegida. A história recente demonstrou-o vezes sem conta. A História da Humanidade, por seu lado, já deixou claro por que não resultam os Direitos Humanos. Eles são feitos por humanos e para humanos. Isto diz tudo. E explica por que motivo sou contra os tais "direitos".
João Campos

quarta-feira, julho 27, 2005

Paradigma do Realismo artístico

O filme «Irreversible».

Susana

Fernando Pessoa e a tese da improbabilidade da comunicação

Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.


Fernando Pessoa


Se me dissessem que, cerca de 60 anos antes de Luhmann ter (finalmente) publicado a sua tese, já um português a tinha sintetizado em meia dúzia de versos, ficaria decerto bastante admirada. Se me dissessem que esse português foi Fernando Pessoa, talvez não ficasse tão admirada assim.

Susana

terça-feira, julho 26, 2005

Mafalda (a do Quino)

«Eis a inesquecível Mafalda, personagem célebre da banda desenhada, miúda [...] irreverente, contestatária e angustiada com o mundo até ao limite existencialista. [...] esta personagem vive em histórias povoadas por alguns adultos e, sobretudo, pelas personalidades infantis dos seus amigos [...]. Mafalda é só uma das melhores criações de Joaquín Salvador Lavado, que entrou na história da BD sob o nome de Quino».

in Expresso, suplemento nº 1657

Voilà!

Susana

Reflexo do Espelho

Ou post institucional: para dar as boas vindas à Susana, grande amiga e leitora deste lado do espelho que agora se junta à equipa. Andámos meses a adiar isto - mas finalmente este blog pode-se orgulhar de ter uma presença feminina para colocar ordem na casa. Desculpa a desinspiração do post, Susaninha, mas ando em época baixa - é a silly season a invadir-me. Bem vinda a bordo!
João Campos

Anacronismos

Recordo-me da primeira vez que vi ao vivo, a cores e a três dimensões (e que dimensões) Mário Soares. Corria o mês de Novembro de 2004. Na FNAC do Chiado, Mário Mesquita, teórico da comunicação social e meu professor, apresentava o seu mais recente livro. Entre os estudantes e académicos presentes, figuravam ilustres personalidades do meio jornalístico português, e algumas do meio político - e, entre estas, o nosso antigo Primeiro-Ministro e Presidente da República. Sentado numa poltrona, vasto na sua antiguidade. Conversava com alguém antes da apresentação ter início. Quando perdeu o seu interlocutor, que tornou para o discurso do professor Mesquita e seus convidados, amoleceu. Olhei para ele por curiosidade - afinal, goste ou não do senhor, trata-se de uma figura histórica incontornável. Ressonava levemente na poltrona, de boca aberta, embalado pelos traços indeléveis da senilidade a que a velhice não poupa o mais forte dos homens*. Sou franco - não gosto de Mário Soares. Mas este facto não retira a objectividade deste raciocínio - a sua candidatira não mais é do que um anacronismo ridículo. Mário Soares é uma figura histórica. E, como todas as figuras históricas, teve o seu tempo. O pretérito perfeito implica uma acção terminada num tempo passado.
João Campos
(nota: um dia, espero, chegarei a velho senil também. É a lei da vida. Agora, pensará alguém que eventualmente me leia, a tua arrogância é natural - na flor da idade julgas-te imortal. Não é verdade. Apenas não me creio aos oitenta anos a candidatar-me a Presidente da República. Contar histórias aos meus netos será incomparavelmente mais útil e interessante.)

Relatório de contas

- Este é o artigo 368 deste blog, a funcionar desde Janeiro. Não gosto particularmente de fazer contas, mas creio que dá uma média de publicação diária bastante razoável. Estamos lá, rapazes.
- Amanhã - at last! - entro em período estival. Ou é na quarta? God damn it, nunca me lembro da m#&+@ da data dos exames.
- O Miguel escreve, indiscutivelmente, o melhor post deste blog.
- O post acerca dos amiguinhos do mano do camarada Carlos revelou-se bem mais interessante do que toda a matéria da cadeira (repetente) de Teoria e História da Publicidade (THP). Mas ainda não o consegui traduzir - ando a tentar afincadamente. Worry not, Charlie - I'll make it.
- No ano (lectivo) passado não jogava, e consegui oito no totoloto de THP. Este ano já joguei uma vez - não no totoloto, mas no euro melões - e ganhei onze biscas (foi quase o jackpot). Pelas lógicas de silogismos, mais logo (ou na quarta) passarei no exame.
- O Alexandre há muito que anda perdido entre o deserto alentejano e o reino dos algarves. Anotar na agenda: encontrá-lo.
- Mário Soares avança para Presidente da República. Déjà vu?
- Em sete meses: menino guerreiro demissionário, socialistas com maioria absoluta, Benfica campeão, Freitas do Amaral na esquerda, arrastões (reais ou imaginários?) em Carcavelos, fim do Barnabé, direitas às turras na blogosfera. Atrevo-me a dizer que o nosso blog cobriu um período não importante mas interessante da História da ocidental praia lusitana.
- Em breve (muito em breve, espero), será alargado o espaço deste blog. Que é como quem diz - novo parceiro (ou parceira) no espelho.
João Campos
(nota: estou desinspirado para a escrita e desligado do mundo em geral. O que explica esta treta de post. Estou mesmo a precisar de férias.)
Ó Carlos, não ligues. Sabes que o povo português sempre foi assim - metade messiânico, metade idiota. Deixa lá o Mairinho ser presidente. A ver se isto estoira de vez e a gente começa a fazer alguma coisa de jeito.
João Campos

domingo, julho 24, 2005

O estudante de filosofia

O estudante de filosofia tinha muita propensão filosófica. E a prova disso é que não acreditava na veracidade das suas próprias cábulas.

Miguel Moura Santos

sexta-feira, julho 22, 2005

Lei de Murphy

"O exame final vai ser sobre o único autor que não estudaste e com um excerto do único livro que não leste."
Thank you, Robert Park.
João Campos

Há comentários?

O ministro das finanças demite-se. Era suposto escrever-se alguma coisa sobre isso, não era?
João Campos

terça-feira, julho 19, 2005

Tempo

Precisamente porque o tempo vital do homem é limitado, precisamente porque é mortal, tem necessidade de truinfar sobre a distância e a demora. Para um Deus cuja existência é imortal, o automóvel não teria qualquer sentido.
in Ortega y Gasset, A Rebelião das Massas
João Campos

Plenitude?

Face a esse estado emotivo [melancolia], não é evidente que a sensação da nossa época se parece mais com a alegria e o alvoroço dos miúdos que fugiram da escola? Agora já sabemos o que se vai passar amanhã no mundo, e isso provoca-nos um regozijo secreto; porque isso, ser imprevisível, ser um horizonte sempre aberto a todas as possibilidades, é que é a vida autêntica, a verdadeira plenitude da vida.
in Ortega y Gasset, A Rebelião das Massas
João Campos

Os novos descobrimentos*

* ou Post atrasado: os portugueses estão mesmo em toda a parte.

Demos novos mundos ao mundo. Espalhámo-nos pelo globo de tal forma que, nos dias que correm, possivelmente até em Vladivostok será possível descobrir um descendente de Luso. E, quando o mundo pensava que a heróica raça dos séculos XV e XVI andava desaparecida, eis que reaparecemos! E o primeiro livro de Harry Potter já cá canta - graças à menina Carlota!

João Campos

sábado, julho 16, 2005

Necessidade de emancipação

- És filho do dono da loja?
- Não, ele é que é meu pai.

Miguel Moura Santos

sexta-feira, julho 15, 2005

Um mero dístico

Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem, cada um é como é.

Alberto Caeiro, in Poemas Inconjuntos

Miguel Moura Santos

Um livro inútil

Numa livraria tavirense, reparei no título O Que Fazer Depois De Morrer, de Craig Hamilton-Parker. Mas logo pensei que não fosse muito útil, pois estava numa livraria.

Miguel Moura Santos

Objecto perigoso - 2

Objecto perigoso: uma página. Se tocar na pele, pode cortar.

Miguel Moura Santos

Objecto perigoso - 1

Objecto perigoso: uma caneta. Se tocar no olho, pode cegar.

Miguel Moura Santos

quarta-feira, julho 13, 2005

Cultura em Tavira

Recentemente, foi inaugurada uma nova biblioteca. Mas esta biblioteca não tem um livro sequer. Recentemente, foi inaugurada uma nova teca.

Miguel Moura Santos

Independência

Independente = In + de + pen + dente.

Miguel Moura Santos

Kafka, de novo

Atrevo-me a afirmar que em toda a tua vida nunca te aconteceu nada de importância comparável à que para mim tiveram essas tentativas de me casar. Não quero com isto dizer que não te tenham acontecido coisas importantes em si, antes pelo contrário, a tua vida foi muito mais rica em acontecimentos e em preocupações, muito mais tumultuosa do que a minha, mas foi exactamente por isso que nunca te aconteceu nada do que me aconteceu a mim. É como quando uma pessoa tem de subir cinco degraus baixos, havendo outra pessoa que tem de subir um só, mas um que, pelo menos para ela, é tão alto como os outros cinco reunidos; a primeira não se contentará com os cinco degraus, subirá centenas deles, milhares até, terá uma vida cheia e extenuante, mas nenhum dos degraus subidos terá para ela tanta importância como teve para a outra o seu único degrau, o mais alto, que ela é incapaz de subir, mesmo apelando para todas as suas forças, que é para ela inatingível e, por maioria de razão, inultrapassável. Franz Kafka, in Carta ao Pai (tradução de Manuel João Gomes)
Miguel Moura Santos

A Teoria do Autoclismo

A Rita, amiga dos tempos de secundário, agora estudante em parte incerta (sou um desastre a manter contactos), tinha uma teoria muito interessante acerca do sistema de ensino básico e secundário - e que, ironicamente, descobri aplicar-se perfeitamente ao universitário. Segundo ela, a escola baseia-se num efeito autoclismo em sequência. Ou seja: os alunos começam um ano lectivo com os professores - seja de que disciplina for - a debitar matéria (a culpa não é dos professores, pelo menos da maior parte dos professores - tanto quanto sei, os programas não permitem uma margem criativa muito grande). Os alunos, ao longo de um mês, vão enchendo o tanque de informação diversa, desde a Segunda Revolução Industrial às equações com duas incógnitas, passando pela poesia de Cesário Verde, até às classes e famílias de mamíferos. Final de unidade programática, vem o teste, estuda-se na véspera, decora-se, copia-se - descarrega-se o tanque. Duas semanas passadas e da água antiga não resta nada. Foi tudo na descarga.
João Campos

Murder by numbers

Apregoavam os jornais de ontem ou de anteontem (não me lembro bem) que em cada dez alunos do nono ano do ensino básico, sete reprovaram no exame final de Matemática.
Poderia começar para aqui a dissertar acerca destes números, como toda a gente já fez - calamidade, vergonha nacional, estes alunos passam para o secundário à mesma, etc. Na verdade, creio que os números falam por si só.
Antes de mais: a culpa não é dos professores. Ou, pelo menos, não serão eles os principais responsáveis. Culpados são os pais dos dias que correm, que não acompanham os progressos escolar dos filhos. Que não educam mas compram os filhos e uma pseudo educação baseada em toda a sorte de bens materiais (playstations e coisas do género) que lhes ocupam o tempo e aparentemente compensam a pouca ou nenhuma disponibilidade que os papás concedem aos rebentos. Que aceitam comportamentos inaceitáveis de miúdos já crescidinhos. Que não têm com eles uma palavra sobre sexualidade e que reprimem tudo aquilo que aos seus olhos parece socialmente inaceitável (se todos os pais lessem Piaget e Freud, seriam sem dúvida melhores pais). And so on.
Culpado é, também, o nosso sistema de ensino, com as suas fabulosas regras de promoção da mediocridade (na continuidade da educação que as crianças recebem dos pais), que permitem que alunos com um a Matemática transitem para o secundário e que estudantes a escrever acério (=a sério) cheguem à universidade. Um sistema educativo que desincentiva o estudo, o esforço, e que não incentiva os alunos a pensarem, a argumentarem, a criticarem. Um sistema de ensino equalitário, dito democrático, onde os professores perdem toda e qualquer autoridade. And so on.
João Campos

segunda-feira, julho 11, 2005

Consultório íntimo

Daniela: esta seria uma resposta adequada à pertinente dúvida da leitora da Maria que publicaste aqui:
«Engolir sémen engravida?
Há dias uma amiga disse-me que posso engravidar quer o sexo seja vaginal. oral ou anal. É verdade?L.M.- Lisboa
»in Consultório Íntimo, nº 1391, semana de 6 a 12/7/2005
R: "Claro que sim. Não sei se a leitora sabe, mas o sémen contém milhões de espermatozóides. Acontece que, no caso do sexo oral, quando a leitora engole, os ditos espermatozóides - esses marotos - passam a laringe, descem o esófago e chegam ao estómago. Lá, devido à atmosfera de ácido concentrado, morrem cerca de metade, mas aqueles que sobrevivem passam o duodeno até ao intestino delgado e, uma vez lá, infiltram-se nos tecidos e pela corrente sanguínea até chegarem ao útero. Onde, por sua vez, podem fecundar um óvulo. Há ainda o risco de, logo no início do percurso, os espermatozóides irem para a traqueia, passarem os brônquios e, uma vez nos pulmões, fecundarem um alvéolo pulmonar, o que levará a que inevitavelmente o filho tenha de nascer por uma cesariana toráxica. As probabilidades de morte da mãe são de 99,9%, mas descanse a leitora, que a probabilidade de uma fecundação alveolar é ainda mais diminuta, e para fazer o aborto espontâneo basta um valente espirro do fundo dos pulmões.
Por sexo anal, como será para a leitora ainda mais fácil de compreender, o processo ainda é mais rápido, tendo os espermatozóides apenas de trepar do recto para o intestino grosso e, uma vez lá, passar as paredes do mesmo para o útero. Previno-a, desde já, que os óvulos fecundados por este processo dão potencialmente origem a crianças com problemas de flautulência, mau hálito e cheiro duvidoso nos pés e sovacos.
Por isso, cara leitora, previna-se sempre. Peça ao seu parceiro para usar sempre preservativo. No caso de gostar de saborear sémen, tome precauções após um acto: um cigarrinho para prevenir a fecundação alvéolar, um shot de absinto para a tempestade estomacal."
João Campos

domingo, julho 10, 2005

"Não dá para falar contigo, nunca aceitas opiniões diferentes das tuas, pá!"

Quem diz isto, regra geral, nunca aceita opiniões diferentes às suas.

João Campos

sábado, julho 09, 2005

Uma simples parábola

Desiste!
Era ainda muito cedo, as ruas limpas e vazias, eu ia para a estação. Ao comparar o relógio de uma torre com o meu, vi que era muito mais tarde do que tinha pensado, não tinha tempo nenhum a perder, o susto provocado por esta descoberta deixou-me inseguro quanto ao caminho, ainda não estava muito à vontade nesta cidade, felizmente que havia um polícia ali perto, corri para ele e perguntei, ofegante, pelo caminho. Ele sorriu e disse: «É a mim que vens perguntar pelo caminho?» «É», respondi eu, «porque sozinho não consigo encontrá-lo.» «Desiste, desiste», disse ele e voltou-se com um movimento largo e brusco, como aquelas pessoas que querem ficar sozinhas com o seu riso. Franz Kafka, in Parábolas e Fragmentos (tradução de João Barrento)
Miguel Moura Santos

quinta-feira, julho 07, 2005

Correcção Necessária

Lamento ter que discordar de forma tão directa e radical com um dos meus colegas de blog, no entanto julgo ser esta discordância a chama de pluralidade que rege este espaço blogoesférico.
Em post recente, Carlos Barrocas refere a alegada falta de comunicação entre o actual Ministro das Finanças e o actual Primeiro Ministro. Quanto a este ponto tenho dois comentários:
1- Parece-me evidente que essa tal falta de comunicação não existe, de todo. Compreendo que nem toda a gente esteja familiarizada com as questões económicas, que agora invadem a opinião pública e publicada no nosso país, todavia a subida dos salários de forma "parcimoniosa" não é mais do que aquilo que o Dr. Luís Campos e Cunha tinha já referido de forma clara na discussão e aprovação do PEC, isto é, uma subida abaixo do nível esperado para a inflação mas, de qualquer modo, ainda assim superior a 0 (zero), como tinha feito o anterior Governo de direita. Referiu então o Sr. Ministro que essa subida seria de 2%, valor este ainda sujeito a discussão em sede de Concertação Social.
2- É também referido nesse post que o Dr. Campos e Cunha não tem no seu código genético aquilo a que poeticamente se chama "veia parlamentar". Esta afirmação sugere-me as seguintes questões: É preferível ter um Ministro das Finanças com "veia parlamentar" ou que seja tecnicamente competente? Para que serve a retórica parlamentar quando a competência técnica é mais pequena do que um grão de arroz? (qualquer semelhança com os últimos dois Governos não é coincidência). Finalmente, depois de uma longa travessia do deserto de três anos, temos um Ministro das Finanças tecnicamente competente e que aplica a Portugal a mesma receita, para sair da crise, que foi aplicada na maioria dos países nórdicos, que tanto são elogiados na nossa terrinha. Curiosamente e a título exemplificativo, quem acusa esta estratégia de combate ao défice orçamental são as mesmas pessoas que titularizaram dívidas fiscais em 2004 que se repercutem em 2005, no valor de 470 milhões de euros a menos de receita (medida levada a cabo por esse mito gigantesco de competência que é a Dra. Manuela Ferreira Leite).

João Teago Figueiredo

"We shall prevail"

quarta-feira, julho 06, 2005

Descoberta sobre o acto de estudar

Quando se chegam a estas tristes horas, ainda se estuda para a frequência das onze da manhã e algumas horitas de sono - poucas, que sejam - se tornam num sonho para a hora da sesta, o melhor amigo que se pode ter não é um balde de café, como alguns me sugeririam. Mas uma playlist recheada de heavy metal - começando em Rage Against the Machine (não é metal, mas é muito bom), passando por System of a Down, Arch Enemy, Slipknot. Kitty cobre a secção de voz feminina, quando o som dos macaquinhos germanos de Sandra Nasic teima em não aparecer.
E assim se estuda a História de Portugal desde o 5 de Outubro ao 25 de Abril. Lamentavelmente, só não sobra espaço para a Grândola.
João Campos

terça-feira, julho 05, 2005

Reflexos

A pedido de várias famílias, o letra minúscula entra para a lista de blogs do espelho. Não conhecia o espaço ou o autor (apesar de o nome não me ser estranho). Mas está-me a parecer que foi uma excelente aquisição para a próxima temporada.
João Campos

segunda-feira, julho 04, 2005

Um pequeno episódio

Na praia, um homem sozinho. Sentado numa cadeira, pensando, olha a água, absorto. Uma senhora elegante caminha na direcção do homem solitário. Distante, ele não sente que a senhora se aproxima. Mas ela chega ao pé dele, sem fazer barulho, muito devagar. Pergunta ao homem se está bem. Ele fica perplexo e responde: Está.

Miguel Moura Santos

A direita precisa de amor

Pois. No entanto, é a esquerda que se anda a implodir. Irónico. Recalcamento, só pode. Freud explica.
João Campos

domingo, julho 03, 2005

Oh captain, my captain!

1
O CAPTAIN! my Captain! our fearful trip is done;

The ship has weather'd every rack, the prize we sought is won;
The port is near, the bells I hear, the people all exulting,
While follow eyes the steady keel, the vessel grim and daring:
But O heart! heart! heart! O the bleeding drops of red,
Where on the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.

2
O Captain! my Captain! rise up and hear the bells;

Rise up - for you the flag is flung - for you the bugle trills;
For you bouquets and ribbon'd wreaths - for you the shores a-crowding;
For you they call, the swaying mass, their eager faces turning;
Here Captain! dear father! This arm beneath your head;
It is some dream that on the deck,
You've fallen cold and dead.

3
My Captain does not answer, his lips are pale and still;

My father does not feel my arm, he has no pulse nor will;The ship is anchor'd safe and sound, its voyage closed and done;
From fearful trip, the victor ship, comes in with object won;
Exult, O shores, and ring, O bells! But I, with mournful tread,
Walk the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.

Walt Whitman

May you rest in piece*

Acho que a passagem para a adolescência, da qual teimo em não sair, me tornou excessivamente desconfiado - desde esse momento, deixei de acreditar em coincidências. É mesmo o único ponto em que dou razão à Margarida Rebelo Pinto.
O que quero com isto dizer é que torna-se curioso assistir, pela segunda vez, à implosão de um blog por causa da mesma pessoa - o senhor Daniel de Oliveira, que provocou o fim da Coluna Infame ao criar uma rixa virtual com o João Pereira Coutinho, e que agora repete a brincadeira com o seu colega barnabita Bruno Cardoso Reis.
Há muito que não lia o Barnabé. Demasiado de esquerda para meu gosto. Demasiado bloquista por vezes. Não tenho pena de o ver desaparecer - shit happens. Apenas concluo aquilo que toda a gente que segue a polémica (excepção feita a bloquistas ferrenhos - para esses, nem o Inferno será redenção): o Daniel de Oliveira não mais será do que um arruaceiro blogosférico, como aliás o partido dele é um partido de arruaceiros. Da primeira vez, conseguiu destruir um espaço que contava com dois dos maiores colunistas portugueses - Pereira Coutinho e Mexia. Agora, rebenta com o grande ícone da esquerda na blogosfera lusa. Para aqueles barnabitas que tinham jeito para a coisa, e que até me proporcionaram boas leituras apesar de com eles não concordar: arranjem uma nova casa. Mas, desta vez, escolham bem os amigos que convidam para as festas.
João Campos
*Desta vez, e só desta vez, o título está correcto, e o trocadilho é intencional.

À Literatura

Oficina irritada

Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.

Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.

Carlos Drummond de Andrade, in Poesia Contemplada

Miguel Moura Santos

sábado, julho 02, 2005

À Humanidade

O Enterrado Vivo

É sempre no passado aquele orgasmo,
é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.

É sempre no meu peito aquela garra.
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.

É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.

É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.

Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.

Carlos Drummond de Andrade, in Um Eu Todo Retorcido

Miguel Moura Santos

Diálogo entre amigos

Primeiro amigo - Queres ter filhos?

Segundo amigo - Não.

Primeiro amigo - Porquê?

Segundo amigo - Não gosto de crianças.

Primeiro amigo - Devias pensar melhor nisso.

Segundo amigo - Porquê?

Primeiro amigo - Porque os filhos nos ensinam imenso.

Segundo amigo - Não sabia que eras pai.

Primeiro amigo - E não sou.

Segundo amigo - Então, como é que sabes que eles nos ensinam imenso?

Primeiro amigo - Sou filho.

Miguel Moura Santos