terça-feira, abril 25, 2006

Depois de Afonso

Dorme meu menino a estrela d'alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será pra ti

Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar

Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor

Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme quinda à noite é uma menina
Deixa-a vir também adormecer


(Canção de Embalar de Zeca Afonso)

João Teago Figueiredo

domingo, abril 16, 2006

Repenthe, sinners!

Então e os devotos que lêem as Escrituras em e-books, participam em fóruns de debate religioso e pregam a palavra de Deus por essas salas de chat fora? Então afinal não se pode ver a missa na TVI ao domingo, entre o Circo e os Morangos, e, na falta do pão ázimo, engolir uma bolacha Maria? (aliás, a TVI era, se bem se lembram, o canal católico; aliás, seguir a grelha de programação devia dar passagem directa para o paraíso, já que consegue ser um suplício pior do que as provações de Job). Então e os seguidores do tele-evangelista Louçã? São todos pecadores? A continuar assim, quem vai precisar de um choque tecnológico é o Inferno, que os velhos pecados estão a ficar fora de moda.

João Campos

From Finland with love

Passa agora na televisão uma publicidade aos medicamentos genéricos muito curiosa. Comparando Portugal com a Finlândia - esse reino nórdico que tanto fascina o nosso primeiro-ministro -, a mensagem do spot publicitário é qualquer coisa assim: na Finlândia, confiam nos medicamentos genéricos há uma carrada de anos; há que confiar cá também. A ilustrar, dois finlandeses em pelota mergulham num lago gelado, o que, segundo a tradição indígena, é bom para a saúde.

A Finlândia tem um estado social mais ou menos funcional, um bom sistema de saúde, um sistema de educação que, segundo parece, é exemplar, e uma população que paga os impostos como deve ser, o que permite que tenha todas estas regalias. Assim, aquele branco país ocupa um lugar de topo no ranking de Índice de Desenvolvimento Humano. Suponho que o nosso PM queira tornar Portugal numa Finlândia sulista, com praias e Algarve em vez de neve e de fiordes. Só espero é que os nossos criativos de publicidade não se estiquem mais nas comparações com a Finlândia, ou ainda metem o país inteiro a mamar em anti-depressivos. Mas aí, também, o nosso Governo pode aproveitar o nicho de mercado, e desenrascar um Prozac genérico - afinal, na Finlândia confiam nos genéricos.

João Campos

sexta-feira, abril 14, 2006

Ladrão que rouba ladrão...

Agora que a Associação Fonográfica Portuguesa, em nome das editoras discográficas e dos artistas*, declara aos downloaders uma guerra com permissas algo obscuras perante a lei, fico com a pergunta: será que esses senhores não recorrem ao peer to peer para sacarem da net aquelas séries fantásticas da Fox, ou aqueles filmes que aborrecem de ir ver ao cinema?

João Campos

*Em rigor, os downloads ameaçam mais as elevadas receitas das editoras do que as diminutas receitas dos músicos. Toda a gente sabe que as editoras - sejam discográficas, literárias ou do que quer seja, são quem mais rouba neste negócio todo.

sábado, abril 08, 2006

Pérolas do Sistema Nacional de Saúde

Quando no Verão de 2004 eu trabalhava num restaurante (onde é permitido o fumo, por enquanto) na Zambujeira do Mar e adoeci, a atitude mais natural foi, no meu intervalo da tarde. após um dia de febres e de achaques vários, dirigir-me ao centro de saúde de Odemira, visto que a litoral aldeia alentejana não tem médico. Calhou bem, pensei - na altura necessitava de levar injecções para controlo de uma alergia, e assim podia fazer logo tudo.
Chego ao centro de saúde e deparo-me com uma guarda prisional com uma resma de folhas nas mãos e outra resma idêntica sobre o balcão, a ser pachorrentamente preenchida. Para quem não sabe, em Odemira existe um estabelecimento prisional feminino. Possivelmente, era dia de as reclusas irem à consulta. Adiante. Dirijo-me ao balcão, de cartão de utente em punho, e explico a minha situação. A secretária (ou lá como se chamam aquelas senhoras) digita o meu nome no computador, levanta-se. vai buscar uma ficha a uma gaveta, senta-se de novo, e enceta um diálogo singular:
"Ah! Mas você é de Sabóia!"
"Er... sim, sou."
"Ah! Mas você tem lá médico!"
Er... Sim, acho que sim."
"Ah! Mas então você não pode ser atendido aqui!"
Pasmo. Por momentos pensei que aquela situação fosse delírio provocado pelo calor do Verão alentejano e pelos meus 39º de febre.
"Minha senhora, eu sou, efectivamente de Sabóia... mas encontro-me actualmente a trabalhar na Zambujeira . Não vou para casa todos os dias, os meus patrões dão-me alojamento. E, como deve saber, na Zambujeira não há médico. Ora, tendo em conta que em Sabóia o médico dá consultas dia-sim-dia-não das nove ao meio-dia e meia, sendo que para conseguir consulta ao final da manhã teria de ir para a fila às seis da madrugada, facil é de ver que não tenho vida para isso. Então o centro de saúde de odemira agora já não funciona para todo o concelho?!"
Tristemente, as coisas nas terrinhas do interior ainda funcionam assim.
"Ah, pois... vou ver... pode ser que algum médico o atenda... mas duvido, a sua ficha está em Sabóia, é lá que tem de ir!"
Foi e voltou, segundos depois.
"Pode ser atendido, mas terá de esperar que toda a gente seja atendida."
Olho para a pilha de folhas que a guarda prisional ainda preenchia. Suspiro.
"E a vacina, posso levar?"
"Tem enfermeiro em Sabóia."
Saio do centro de saúde, dirijo-me à farmácia mais próxima e compro uma caixa de Antigripine, ou lá o que era. O sistema nacional de saúde não deixa muitas alternativas à auto-medicação. Quanto à injecção, acabei por a levar, mas após a minha mãe ter ido ao posto médico da aldeia (às sete da manhã marcar lugar) e de ter pedido ao médico local um documento comprovativo de que o enfermeiro da aldeia encontrava-se de férias e que, por conseguinte, eu teria de levar a injecção em Odemira.
Também me aconteceu adoecer aqui em Lisboa, durante o meu primeiro ano na universidade. Fui atendido no centro de saúde de S. Mamede, por pura caridade da médica de serviço. Desabafou ela que os estudantes deslocados estão "entregues à bicharada" na capital, porque a burocracia do sistema não permite tratá-los em caso de doença. A opção seria transferir os processos das terrinhas para a cidade, o que se torna inviável não só devido à burocracia do processo, mas também porque a residencia dos estudantes em Lisboa raramente é permanente (uma mudança da Estrela para as Olaias implicaria nova transferência de processo). E convém não esquecer que a própria estadia na capital é temporária - acabado o curso, nunca se sabe para onde se vai.
Isto para dizer o quê? Que pago um serviço do qual mal posso usufruir, porque as suas regras e esquemas burocráticos me marginalizam. E que tenho ainda de ouvir os paladinos da saúde pública e do politicamente correcto dizerem que os fumadores deviam pagar os próprios tratamentos. Pois. Eu, infelizmente, nem isso poderia pagar se quisesse, porque teria de ir recambiado para a santa terrinha.
João Campos

smoke my freedom

Um par de artigos muito interessantes, escritos por João Miranda e por LA, acerca da nova lei do tabaco e das suas implicações nas liberdades individuais, deu origem a caixas de comentários a transbordar de intolerância. Entre os comentários mais idiotas houve um, no entanto, que me vejo obrigado a comentar:

Mas o problema não é só evitar que os não fumadores "comam" involuntariamente com o fumo dos fumadores. O problema também é o Estado querer gastar menos dinheiro com a saúde das pessoas que fumam, e só controlando os espaços onde o povo pode fumar é que tal medida é eficaz. Eu recuso-me a pagar pela saúde de alguém que se quer matar lentamente e que tem maiores probabilidades de ter doenças graves - Já que se quer matar, ele que pague pela sua própria saúde, senão que deixe de fumar! Todos pagaríamos menos impostos e claro, agradecíamos. (escrito por um tal de "El_Rey")
Comentários:
1) Tendo em conta que um maço de tabaco custa cerca de 2,80€, e que um fumador inveterado fuma, mais ou menos, um maço por dia, paga 19,6 euros por semana. Pensemos agora que em cada maço a custar 2,80€, 1,10€ (estou a ser francamente optimista) são imposto. Dá, por semana, 7,70€ direitinhos para os cofres do Estado. Creio que os fumadores já pagam pela própria saúde, e ainda têm de aturar os preconceitos das novas brigadas de saúde pública.
2) Já que nos recusamos a pagar, aqui ficam as minhas recusas:
a) um Sistema Nacional de Saúde ineficaz e absurdamente burocrático, que me mete numa alhada sempre que adoeço em Lisboa, por não ser natural daqui e não ter cá lugar onde possa ser atentido (para além das urgências do Santa Maria, onde invariavelmente me dirijo, e que agora são ainda mais caras com as novas taxas moderadoras);
b) um Sistema Educativo facilitista que ensina coisa nenhuma e que mete Big Brother no programa de Português, entre tantos outros disparates;
Fico apenas curioso com outra coisa. Será que estes senhores do politicamente correcto anti-tabagista:
1) levam os filhos a comer no MacDonalds?
2) Obrigam os filhos a parar 15 minutos por cada hora em frente a um écrã a jogar Playstation?
3) Controlam os videojogos que os filhos jogam, a fim de evitar conteúdos inapropriados para as suas idades?
4) Têm uma alimentação que respeita simetricamente a roda dos alimentos?
5) Optam por azeite em vez de óleo para os fritos?
6) Optam por transportes públicos em vez de viatura própria?
João Campos
Já agora: se algum fumador se cruzar com o "eufrates", autor, entre outras da pérola Fumadores: o vosso tempo acabou. Agora chegou o tempo da vingança. Olho por olho, dente por dente, é favor apagar-lhe o cigarro na testa. Olho por olho, dente por dente.

sexta-feira, abril 07, 2006

penso, logo existo

Há dias decidi misturar numa discussão os conceitos "vida" e "existência". Defendi que vida é inconsciente, dado que ela não mais é do que um conjunto de processos biológicos coordenados entre si e em interacção com o meio envolvente (peço desculpa pela ideia tosca e incompleta, mas desde o sétimo ano que abandonei o sonho de ser biólogo). A vida enquanto vivência, enquanto acumular de conhecimento, enquanto antologia de experiências, de sorrisos, de lágrimas, de frustrações, será, no meu entender, a nossa existência.

Dão-me de resposta "mas as pedras não têm vida, e existem". Verdade. E as formigas não pensam, mas vivem. Não o disse, e arrependo-me. Existência será a nossa vida consciente, colocando os nossos singulares processos mentais num patamar extra-sensorial, dado que nos permitem conceber um sem número de realidades que apenas o são para nós. E assim anda a velha máxima de Descartes esquecida por essas almas, apesar de repetida sempre que é conveniente. Mas esse é o legado dos grandes filósofos - um sem-número de ideias feitas, suficientemente simples na forma para serem apreendidas pelo mais comum dos mortais, mas também com uma ambiguidade q.b. para volta e meia exorcisar alguns pensamentos mais rebeldes em discussão.

João Campos