quinta-feira, março 30, 2006

Operação Bolonhesa II

Se excluírmos a questão da "compressão" curricular que os cursos universitários e politécnicos inevitavelmente conhecerão com a implementação das directivas de Bolonha, e consequente "afastamento" de alguns docentes, vemos que o problema, no caso português, nem passa tanto pelo novo sistema que vai ser implementado, mas pelo sistema que está para trás, e que continuará para trás. O novo regime de tutoria, tradição nos modelos de ensino anglo-saxónicos, é algo de absolutamente novo por estas paragens - algo que, como dizia ontem o meu antigo professor de Sociologia, é exterior ao nosso ecossistema educativo, e que será implementado de estaca, de cima para baixo, sem que as bases tenham evoluído naturalmente para chegar até ele. E essas bases são, para todos os efeitos, os modelos de ensino básico e secundário.
Recordo-me de uma conversa com uma antiga colega do secundário, que dizia que o ensino se baseava num sistema de "autoclismo". Explicando - regra geral, o professor debita a matéria, o aluno copia meticulosamente para o caderno cada palavra, cada espiro, cada gaguejo. Quando chega o momento de avaliação (leia-se teste), o aluno debita para a folha de ponto tudo o que decorou. E esquece. E enche de novo, até ao próximo ponto. Ad infinitum. O que fica será substancialmente pouco. O próprio sistema educa os alunos neste sistema, preparando-os não para o longo prazo (o ensino universitário), mas para o curto prazo (a transição de ano, que se consegue com um mínimo de conhecimento). Pelo caminho, perde-se o método de estudo, que é dispensável, perde-se a aprendizagem de técnicas de pesquisa e de investigação, que o sistema não contempla, e perde-se, acima de tudo, o gosto por aprender. Por querer saber mais. Não alterar profundamente este conceito de ensino básico e secundário (já a designação de secundário é, no meu entender, estranha, uma vez que secundário pode ser sinónimo de acessório; "high school" soa imensamente melhor) irá inevitavelmente causar um fosso tremendo entre este modelo de ensino com o modelo de ensino superior que se vai implementar. Neste, os alunos são convidados a assistir às aulas e aprender a matéria, sim, mas a fazer o trabalho de casa depois: a pesquisar, a aprofundar os conceitos aprendidos, a expô-los, debatê-los e defendê-los. E, neste contexto, terão de aprender tudo isso apenas quando ingressarem no ensino superior.
João Campos

quarta-feira, março 29, 2006

Operação Bolonhesa

No passado ano lectivo, elaborei um dossier de imprensa sobre o Processo de Bolonha e sobre a implementação das suas directivas no sistema de Ensino Superior português. Entrevistei o Dr. Viegas Soares, um dos coordenadores do processo para a área da Comunicação, que na altura, faz agora um ano, falou acerca do atraso do ensino superior português e do risco de ficarmos para trás. E que, no final, quando os prazos apertassem, iria ser a correria do costume.
Não se enganou. Com os prazos a apertarem, tem sido uma verdadeira maratona na minha escola. Por enquanto, debatem-se os novos currículos, o sistema de mestrados (que, actualmente, o Politécnico não oferece), e as alterações que irão necessariamente ser feitas. Em cima do joelho, porque a deadline de 31 de Março, imposta pelas directivas do Governo, assim o exigem. Tem sido reunião atrás de reunião. E a coisa vai complicar ainda mais devido a um pequeno detalhe: a lei apenas permite que o antigo (actual) currículo e o currículo de Bolonha apenas coexistam durante um ano lectivo. Ou seja, fica anulada a possibilidade de uma transição normal, ou seja, implementada apenas no próximo ano lectivo para os novos alunos, sendo que os alunos de segundo e terceiro ano seguiriam o programa em vigor aquando da sua inscrição. Há que debater as equivalências, as reprovação, enfim, um sem número de detalhes com vista a cumprir, na medida do possível, uma outra alínea do decreto-lei: os alunos não devem sair prejudicados do processo. Paradoxal, e virtualmente impossível.
Tudo isto obriga-me a dispender imenso tempo, uma vez que faço parte do Conselho Pedagógico da ESCS. Ou seja, reuniões e mais reuniões. Não me tem restado muito tempo livre para escrever algumas linhas por aqui, mas vou tentar manter estas questões actualizadas na medida do possível.
João Campos

terça-feira, março 28, 2006

Fundo

"Picolé e ex-namorado não podem um com o outro."

É genial como todos os dias o 24horas dá novos mundos à palavra fundo.

João Teago Figueiredo

quarta-feira, março 22, 2006

Pessoas na casa dele

Eram umas onze da noite, mais cabelo menos cabelo, quando principiei a volta aos blogues habituais. Abro o estado civil, do poeta Pedro Mexia, e vejo que no dia mundial da poesia a Casa Fernando Pessoa ia promover uma comemoração com sessões de leitura. Coadjuvadas por piano e clarinete, já que também ali se assinalava o nascimento de Bach. O acto iria decorrer em duas partes, uma às 18h30 com cinco dos poetas convidados e uma outra às 21h30 com os sobrantes. Entro às 18h15 na casa do mestre, o primeiro pensamento que me inunda é o de saudar a recuperação daquela casa, não só pelo facto de ter acontecido mas também por estar feita daquela maneira tão sublime e apaixonante. Percebo, ao segundo lanço de escadas em direcção à sala do segundo andar, que a casa tem vida, tem uma inefável vontade de motim. Achei na altura, e ainda agora, que isso se deve ao novo director. Via-se na maneira como recebia quem entrava e agradecia a quem saía que havia ali sede de mostrar acção, sem que isso nada implicasse de desonestidade ou show-off. E diga-se que o show estava muito on. Irrepreensivelmente cuidado, bem organizado e delicioso para quem gosta de ouvir poesia pela voz limpa dos seus autores. Mas aquilo que mais me faz escrever este post hoje é o facto de, ao invés do que supostamente aconteceria num país onde há alunos do ensino superior que respondem a uma reportagem televisiva que Luiz de Camões foi quem descobriu a Índia, ter constatado, com os olhos e a alma de queixo estendido no soalho, que numa sala com cinquenta cadeiras estavam mais de cem amantes da língua portuguesa. Amontoados solidariamente, como ambos pertencentes à mesma famíla, a famíla que ali os trouxera. Outros sentados nas escadas que levam ao terceiro piso, porque a compensação do prazer dos sentidos sufoca o desconforto do degrau. Acho que ontem, nesse instante, consegui, por momentos, esquecer a aula de economia pública que tivera nessa manhã. E fiquei a pensar, romanticamente, que podemos continuar a ter défices de cem por cento e dívidas públicas de duzentos, que com a língua ainda salvaremos a pátria.

João Teago Figueiredo

O inadaptado

Estou mais ou menos habituado às bocas, mais ou menos directas, mais ou menos brincalhonas, que me associam à extrema direita. Na maior parte das vezes, rio-me da piada com alguma condescendência, como se fosse apenas uma caricatura devida ao facto de me assumir de direita num país com uma triste predominância canhota. Convenhamos que as botinhas de biqueira de aço e o heavy metal não ajudam a devanecer esta ideia, mas todos sabemos como as aparências iludem - e muito. Adiante. Há vários motivos que me afastam daquele pólo ideológico. Recorrendo um pouco a estereótipos:
- apesar das botas nas extremidades inferiores, a extremidade superior apresenta, frequentemente, demasiada pilosidade (por outras palavras, sou gadelhudo);
- não sou, de perto ou de longe, nacionalista. Se o inenarrável João da Ega, n' Os Maias, era apologista da invasão espanhola, eu apenas espero, como é moda nos dias que correm, uma OPA espanhola ao estado português. Para além disso, não me entusiasmam particularmente os triunfos (ou os desaires) da Selecção Nacional (apenas porque o futebol não me emociona rigorosamente nada);
- não defendo ódio racial ou qualquer preconceito. Cada um como cada qual, ora bem. Desde que não me chateiem;
- etc.
No entanto, há coisas que me aborrecem. Por exemplo, poder comprar o Capital na Fnac, lê-lo alegremente no autocarro sem que olhem para mim com repulsa, mas não poder adquirir, nem que fosse apenas para leitura secreta, no quarto, à hora a que toda a cidade dorme, o Mein Kampf - não por motivos ideológicos, mas por pura curiosidade. O facto de não haver um partido político com o qual me identifique mesmo (e já agora, um líder político da direita liberal - é uma chatice sempre que se vai a votos, tenho de eleger por aproximação ou por mal menor). Enfim.
João Campos

terça-feira, março 21, 2006

Até estava a achar estranho

Começo a ler a crónica de César das Neves no DN e pasmo - o homem começa a falar de obras e de autores de ficção científica, desde Shelley (Frankenstein) a George Lucas (Star Wars), passando Orwell (Nineteen Eighty-Four), Asimov (The Foundation Trilogy) e outros. Tinha, claro, de haver marosca. Pois. O nosso apóstolo pega nas obras de ficção científica e nos futuros apocalípticos nelas previstos (esqueceu-se de Matrix, que não sendo livro - apenas filme e comic - é igualmente marcante) para falar - imagine-se! - da eventual legislação do aborto que Sócrates pretende implementar. Tinha de ser. Se César das Neves falasse de ficção científica de forma desinteressada e sem qualquer moralismo beato por trás, até seria de estranhar.
João Campos
Obrigado, João, por demonstrares que o nosso blog ainda não morreu. E, mais importante, que alguns dos nossos membros (a.k.a. Maria Helena) estão com problemas no acesso ao sistema do Blogger. Os problemas técnicos ainda não foram ultrapassados, creio, but the show must go on. Após este intervalo, o blog retoma (espero!) a sua programação habitual.
João Campos

segunda-feira, março 20, 2006

Comentário cinéfilo

Ser o filme de abertura do maior festival de cinema do país não é, definitivamente, para todos. E "coisa ruim" não deixa que alguém possa ter argumentos para achar que a escolha foi errada. É certo que já não estava à espera de um filme tipicamente português, naquilo que de pior a cinematografia lusa tem. Como no caso de "O crime do padre Amaro", em que o facto de ter ficado famoso se deveu unicamente (note-se que aqui me limito a constatar) ao facto de ter tido uma tal de Soraia Chaves (ou melhor, o seu corpo) como ingrediente de sucesso. No filme de Rodrigo Guedes de Carvalho os argumentos são indiscutivelmente outros. O argumento é digno desse nome e sustenta uma concepção quase cénica da realização e da fotografia. Sem que seja um filme de terror é, sem dúvida, um filme rotulável como "fantástico", bem na calha do que o Fantas nos vem habituando.
Aquilo que mais me encheu o olho foi a maneira como o Tiago Guedes e o Frederico Serra contam uma história, que apesar de ser só por si uma óptima matéria prima podia ser delapidada com uma má abordagem de realização. Não é esse o caso deste filme. A personagem central da trama é aquilo a que os realizadores mais deram atenção: a casa. Que aqui funciona na plenitude como factor de originalidade e beleza fotográfica. Muito por essa razão este filme é um dos objectos mais preciosos do novo e moderno cinema português, não apenas por conseguir suster o interesse do espectador ao filme até ao seu desfecho, mas também por deliciosas abordagens de fotografia que aumentam a excelente corporização que os actores fazem da própria história.
Para aqueles que forem ver a obra na esperança de ter um filme de sustos americanizado, irão sair da sala a pensar que era melhor ter gasto os cinco euros em alfinetes ou "Cotonetes Prestígio"1. A prestação dos actores é, também, um dos mais vigorosos atrativos do filme. Com particular destaque para Adriano Luz e Manuela Couto que muito bem transmitem o espírito do argumento. E agora para manifestar a minha parte de parcialidade na opinião, que não deixa de ser sincera, não posso deixar de dar os parabéns à Sara Carinhas que faz da Sofia uma coisa tudo menos ruim.


1 - Há aqui uma referência a um dos artigos do mestre Ricardo Araújo Pereira numa das edições da revista semanal Visão, que estive a ler hoje.

João Teago Figueiredo

terça-feira, março 07, 2006

let me entertain you

Como sempre, a Noite dos Óscares passou-me ao lado. Estava a dormir na altura, e não me passou sequer pelo mais recôndito neurónio deste cérebro incomodar-me a acordar, sair da cama numa noite fria, ir para o sofá, ligar a televisão e assistir à gala (apesar do John Stewart). Melhor filme: Crash. Amigos dizem que é genial. Os mesmos amigos dizem que, apesar disso, é de alguma forma injusto que um filme tão tocante como Brokeback Mountain não tenha recebido mais prémios. talvez. no meu entender, o único filme que mereceu cada estatueta dourada que levou foi Memories from a Geisha (foi o único dos nomeados que vi). Se tivesse de premiar algum filme, escolheria Good Night and Good Luck. Não que o tenha visto. Mas o título é das melhores coisas saídas de Holywood.

Mas o que faz de um filme o melhor filme do ano? Alguns pontos podem - de alguma forma - ser verificados - qualidade do som, efeitos especiais, e outros detalhes técnicos. que mais? melhor actor ou atriz? Poupem-me. Toda a vida ouvi a crítica malhar no Keanu Reeves, porque é inexpressivo, apático e mais o diabo a quatro, mas de Chain Reaction a Constantine, não houve um filme do rapaz que eu tenha visto e pensado: "é uma merda". Continuando. Melhor filme? Matrix é, para mim, o melhor filme jamais feito, e que iniciou no cinema (sobretudo no cinema de acção, fantasia e ficção científica, logo por acaso os géneros mais marginais) uma revolução em nada menor que aquelas operadas por Blade Runner, 2001: A Space Odyssey ou Star Wars. Nem foi nomeado para melhor filme (nem os manos Wachowsky para melhores realizadores). O Titanic nunca - mas nunca! - ganharia onze Óscares. E podia continuar.

Os meus amigos diriam que tudo isto é apenas a minha opinião. Pois é. E, por isso, um bom filme para mim pode muito bem ser uma bela merda para a crítica. Que é o que fatalmente acontece sempre. Por exemplo, duvido que saia desta cidade nesta semana sem ver o Underworld Evolution. O primeiro, segundo a crítica que li, era lixo cinematográfico, um terrível desperdício de bobinas. Que importa? Gosto do argumento, do som, dos efeitos visuais, e, mais do que tudo o resto, gosto da Kate Beckinsale (outra péssima actriz, segundo a crítica) naquele fatinho de cabedal preto e justo. O filme é um blockbuster? Definitivamente - uma historieta simples de lobisomens e vampiros, com rajadas de balas nos ares, alguns corpinhos sensuais e carradas de acção mais ou menos frenética. É profundo? Não. Pleno de sentido, de significado? Não, nem por isso. Tem uma mensagem? Não, acho que não. Então? Entretém. E, na maioria das vezes, isso é tudo o que importa no cinema.

João Campos

sábado, março 04, 2006

Coisa (nada) ruim



Ora aqui está uma prova de que nem tudo aquilo que é realizado em Portugal é desinteressante.
Para já deixo aqui a sugestão para irem ver este "Coisa Ruim" do Tiago Guedes e do Frederico Serra (que não é um filme de terror, ao contrário do que se vem espalhando por aí). Só irei ver o filme amanhã, contudo já há muito tinha ouvido falar dele e da sua rodagem porque conheço uma das actrizes do filme, a Sara Carinhas que faz de Sofia. Guardarei, por isso, para mais tarde um comentário à obra em causa. Vejam e espero que gostem.

João Teago Figueiredo