quarta-feira, agosto 31, 2005

Parábola do pescador

Vi, há dias, por cortesia da emissora pública nacional, os concertos do Live 8. Eis o exemplo acabado de uma "boa" causa que apenas pactua com os interesses instituídos. A ideia é ajudar África. Boa ideia. África necessita de ajuda. Há quase dois séculos, mas mais vale tarde do que nunca.
Primeiro objectivo do festival: usar a música (dizem eles, o rock, mas a coisa anda mais pop do que rock) para chamar a atenção dos "grandes" (a.k.a. o G-8, suspeito do costume - os capitalistas, esses marotos) para a situação de extrema pobreza do continente africano. Boa ideia. Alertar para os problemas (quase) nunca é em excesso.
Segundo objectivo do festival: angariar fundos para ajudar o continente africano. Péssima ideia. África pode precisar de muita coisa. Mas não de dinheiro. Ela tem os recursos naturais. Ela tem os recursos humanos (se o continente está superpopulado, apesar de semi moriundo, gente não há-de faltar). A falácia repete-se, para conveniência da ordem instituída das coisas. Ao contrário do que o senso comum afirma, África não precisa de peixe. Precisa que a ensinem a pescar.
João Campos

sábado, agosto 27, 2005

Ensaio de resposta

Porque as pessoas se sujeitam a esse tipo de programas (Big Brothers, teste de Fidelidade e quejandos)? A Maria Helena, que já leu as minhas prosas, sabe bem a visão "dark" que tenho do ser humano. O conceito de "humano", antónimo de "desumano" é uma falácia: aliás, ambos o são. É desumano matar? Pode ser hediondo; desumano, não. Traços inegáveis como o ódio, egoísmo, a ambição, a inveja, o orgulho, a ira, a ganância (os pecados mortais, se quisermos, e mais alguns adjectivos simpáticos), que serviram ao longo da História como pretexto para as maiores atrocidades. Mas nenhum desses actos, desde o Holocausto às Cruzadas, foi desumano. Eles apenas mostraram aquilo que de pior tem a natureza humana - como Ghandi, Luther King e tantos outros mostraram aquilo que o ser humano pode realizar quando opta pelo "brightside".
O caso concreto dos reality shows nacionais: creio que não mais são do que um reflexo daquilo que os portugueses são. Que importa a humilhação quando a recompensa é aparecer no pequeno écrã? A fama compensa tudo: a vergonha que não se tem, a dignidade que nunca se teve, a educação que nunca se aprendeu. Ainda que tal fama dure apenas os tais quinze minutos: que importa?
Mas prepare-se, cara amiga: a coisa vai piorar ainda. Compre a TV 7 Dias e dê uma vista de olhos pelos reality shows que estão para vir. Se ainda precisar de um bom motivo para atirar a televisão pela janela, vai tê-los de sobra.
João Campos

Testes, para que vos quero ?

As cores do cenário condizem com as de um jornal tablóide. São vermelhos e azuis, bem saturados. O apresentador é um cruzamento de pregador de Igreja com vendedor de colchas e mantas na feira e uma pitada de doido, acabado de fugir do manicómio. A assistência parece recrutada entre os frequentadores de um lar de idosos, a que misturaram uns jovens com ar de desempregados de longa duração (é a crise, ai a crise ! ... ). Os concorrentes são ... são ... são ... enfim, são o que são. (Também, se não confiam um no outro, será preciso irem à televisão para saberem que nem um nem outro são de confiança ? Não chegaria resolverem as coisas no desassossego do lar ?). Depois, há os sedutores, que usam os chavões e os artifícios do costume para depenarem os 'patos bravos' que caem nesta esparrelas. E há o olhar de incredulidade daqueles que testam, acentuado pelos gritinhos e saltinhos histéricos do apresentador.
Mas o que é que fará com que duas pessoas adultas vão a um programa de televisão, fazer
um 'teste de fidelidade' ? Qual é o prazer de ir perante uma plateia, desnudar-se e fingir que se faz amor com um desconhecido, enquanto se diz mal do companheiro/a ? Aqui temos o pior de um bairro popular, com os termos e as atitudes de um bairro popular, tudo elevado à categoria de programa de televisão. O tom foi dado há uns anos, com o Masterplan e a célebre Gisela Furacão, uma mocinha que a produção do programa encontrava maneira de acirrar como quem açula um cão e que protagonizava grandes espectáculos de agressão verbal e física. Podem dizer-me que, no início, antes de tais programas irem para o ar, as pessoas não sabem ao que vão. Porém, uma vez feito o 'teste', porque é que consentem que a coisa seja transmitida ? Porquê este gosto do ser humano pela degradação ?

sexta-feira, agosto 26, 2005

Despedida

Doravante, não escreverei mais. Obrigado aos que leram os meus posts. Obrigado aos que os não leram. Obrigado aos que os comentaram. Obrigado aos que não os comentaram. Adeus a todos.

Miguel Moura Santos

Boas vindas atrasadas

É com alguns dias de atraso - não tenho acesso constante à internet por estes tempos - que dou as boas vindas a Maria Helena a este nosso espaço. O convite já andava feito há algum tempo, mas por conecções e desconecções a coisa foi-se adiando... enfim, não importa. Seja bem vinda a este lado do espelho!
João Campos

quinta-feira, agosto 25, 2005

Parlez-vous français ?

Lembram-se daquela canção que acompanha o anúncio do perfume 'Baldessarini', o tal que diz que 'é só para homens, os rapazes têm que esperar'? Pois, o original, em Francês, começa mesmo com 'La mer ...' Não sei quem canta. Em caso de dúvida, não vão mais longe (podem até ficar já aqui !), consultem o 'site' da Amazon e lá encontrarão algumas composições sobre ... La mer...

quarta-feira, agosto 24, 2005

La mer

Como é lindo o mar ! Com ondinhas, a ir e a voltar,
Com peixinhos lindos a nadar e muita gente ao sol
A torrar !

terça-feira, agosto 23, 2005

'Mininuisss, chêguêiiiii !

Povo deste blogue !

Agora, que Portugal arde, mais uma vez, agora que Sócrates voltou, agora que Marocas & Cavaquinho planeiam reavivar a chamada 'cena política', agora que mais umas férias estão a chegar ao fim, cá estou eu, a convite de Mr Campos, para escrever e desopilar. Cheers to all of you !

Maria Helena
P. S. Segue figura, assim que encontrar alguma que dignamente me represente.

sábado, agosto 20, 2005

Idealistas

Eles precisam da sua certeza, da sua verdade simplista.

Susana

sexta-feira, agosto 19, 2005

A Insustentável Leveza do Ser

Depois de ler o livro, sentiu-se 333 vezes mais pesada.

Susana

quarta-feira, agosto 17, 2005

Um minuto de silêncio

que o melhor blog português terminou hoje. Até sempre.
João Campos

Mafalda & Companhia

terça-feira, agosto 16, 2005

Spam

É impressão minha, ou a caixa de comentários deste post foi alvo de um ataque de spam? Sempre que dou de caras com estas maravilhas de hackers dou por mim a pensar que há por esse mundo fora muito boa gente que não sabe o que significa a palavra sexo fora de um écrã de computador. É triste, não é?
João Campos

segunda-feira, agosto 15, 2005

É fácil desenhar olhos que divagam
Pelo quadro todo
Mas só até ao instante em que se tornam
Os que vão à proa do barco

Olho do piloto fito
No real
Atento
À rota nunca recta


Sophia de Mello Breyner Andresen

O Búzio de Cós e Outros Poemas

Coisas que só a mim apoquentam III

Um encontro não é efectivamente tanto mais significante quanto mais resultante de um grande número de acasos?

Susana

O pai

Saiu da água e caiu sobre os joelhos, derrotado pela rapidez ternurenta dos dois filhos, subitamente pregados às suas costas. Depois ficou a vê-los surfar a espuma, comovido e pensando que aquela garotice ainda vive dentro dele. Já venceu a morte: consegue adivinhar um pormenor seu nos meninos que brincam no mar, que disputam, numa algazarra de espuma, uma velha prancha.
Apetece-me dizer que filho de peixe sabe nadar, mas não digo. Porque eles guardam um segredo: “quando for grande vou ser como o pai!”.

Susana

Charles S. Pierce - versão brasileira

Ao assistir ao filme «Deus é Brasileiro», surpreendo-me com o seguinte diálogo entre Deus e Taoca, uma das personagens principais:
Deus - Ridícula, essa sua roupa. E esse brinquinho também.
Taoca - Não é briquinho - é pierce.

Susana

O bom profissional

Sempre que chegava atrasado a uma reunião, dizia: "peço desculpa por terem chegado tão cedo".

Susana

Coisas que só a mim apoquentam II

A palavra "capital" ser, em português, sinónimo de "essencial".

Susana

"Chic a valer!"

Hoje foi o terceiro dia de festarola tradicional cá na aldeia.
Talvez para demonstrar que afinal as pessoas cá deste cantinho do inferno não são retrógadas, decidiu-se que a terceira noite, ao invés de ter o tradicional bailarico com acordeonistas a berrar covers de Quim Barreiros e o inevitável Apita o Comboio, seria consagrada "à malta nova". Que se faz? Convidam-se meia dúzia de bandas de garagem dos arredores que tocam aquela música, sabem, "de que a malta nova gosta".
Acabaram por apenas vir três - não me recordo dos nomes, nem tenho nenhum programa das festas aqui à mão. Público reduzido que nem deu para começar a encher o diminuto recinto. Tocou a primeira - guitarrada de desafinação. Tocou a segunda - idem, mas com um tudo-nada de mais qualidade. Começou a soar algum calão por entre os acordes do baixo e as batidas da bateria. Tocou a terceira... e foi um show de urros, calão e guitarrada a ecoar pela aldeia. Cada duas palavras perceptíveis por entre os berros desalmados dos vocalistas correspondiam a três caralhadas valentes. Resultado: uma das senhoras da organização sobe ao palco e dá ordem de encerramento ao show. A banda, sorridente, decide prosseguir. Como retaliação, o som foi cortado. A banda e metade do escasso público protestou. A outra metade riu-se, entre dois goles de cerveja morta. A organização, por via das dúvidas, e porque nem aspecto nem ou semblante dos "músicos" não inspirava confiança, chamou a G.N.R.. Just in case.
Ou seja: a organização da festarola, baseando-se num estereótipo ultrapassado, convidou bandas de garagem sem conhecer as suas músicas - apenas por achar que era daquilo que a "malta nova" gosta - e correram com uma dessas bandas por não ser de bom-tom. Não fosse o hilariante da situação - apesar de considerar a banda uma treta, mas não sou crítico de música - teria sentido - e eu teria sentido vergonha das pessoas da minha terra.
Enfim. Ao menos já há material suficiente para a fofoquice costumeira até aos finais do Estio.
João Campos

Coisas que só a mim apoquentam*

Pergunto-me o que terão dito a Fernando Pessoa após a sua morte, no Purgatório. Tê-lo-ão reprimido pelo ateísmo genuíno de Caeiro («Não acredito em Deus porque nunca o vi./ Se ele quisesse que eu acreditasse nele,/ Sem dúvida que viria falar comigo»)? Ou pelo paganismo resignado de Ricardo («Só esta liberdade nos concedem/ Os deuses: submeter-nos/ Ao seu domínio por vontade própria»)? Ou ainda pelos devaneios, nada católicos, de Álvaro de Campos («Ah, ser tudo nos crimes! Ser todos os elementos componentes/ Dos assaltos aos barcos e das chacinas e das violações!»)?
Tê-lo-ão, porventura, felicitado pelo magnífico verso («Deus quer, o homem sonha, a obra nasce»)? Por ter reconhecido em Deus o criador do Quinto Império («Deu-me Deus o seu gládio, por que eu faça/ A sua santa guerra»)?

Hum...

Susana

* O título não é meu.

domingo, agosto 14, 2005

Hugh Grant

Escusava de ser tão bonito. Não escusava?

Susana

Homens

O sorriso muito branco, a barba por (des)fazer.

Susana

sexta-feira, agosto 12, 2005

Os amantes

Sentado na poltrona, na penumbra, pensava nela e trauteava, num murmúrio: “Beside you, I could never grow old”.
Estirada sobre o sofá, em sua casa, no extremo oposto da cidade, ouvia “Who wants to live forever?” e murmurava, sorrindo: “I do”.

Susana

O senhor B

Não tinha vícios. Nem desejos, nem esperanças, nem ambições. Nem hábitos sequer. Preferiu rosas à Pátria, e antes magnólias amou que a glória ou a virtude. Procurou viver a sua própria vida, isolando-se dos outros, renunciando às paixões e aos prazeres violentos para mais facilmente evitar sensações dolorosas. Toda a vida se manteve indiferente às circunstâncias, liberto de todos os sentimentos agrilhoantes (quase perturbações), num esforço lúcido e disciplinado para obter uma calma qualquer.
Foi livre. Extraordinariamente livre. Livre de mais para valer a pena.

Susana

quinta-feira, agosto 11, 2005

Bairro Alto

Cada vez mais se parece com uma prostituta moderna: tradicionalmente português de dia, miseravelmente espanhol de noite.

Susana

quarta-feira, agosto 10, 2005

Uma Campanha "Alegre"

Tenho pena - sincera - de que o Partido Socialista tenha optado por apoiar Mário Soares para as presidenciais. Quer dizer, até se compreende - é um candidato "de peso", no mínimo. Mas honestamente preferia Manuel Alegre. Eu, quase um paladino da Direita, ponderaria votar Alegre (à esquerda). Em detrimento de Cavaco, eventualmente. Motivos? Poderia dizer que o senhor deputado socialista tem personalidade, opinião própria e não tem receio de se opor às medidas do seu partido se estas não corresponerem aos seus ideais. Dizer isto, no entanto, seria imbecil, ou não fossem os políticos, no fundo, todos iguais. Votaria Alegre por três razões: o senhor é poeta, prefere o Alentejo ao Algarve (haja alguém com juízo e bom gosto neste país) e passa férias aqui nos arredores da minha esfera de inferno. Que tem isto que ver com política. Nada. E precisamente por isso votaria Alegre. Se fosse votar por motivos políticos, seria inevitavelmente um voto nulo.

João Campos

terça-feira, agosto 09, 2005

happy birthday!

Uma certa quantidade

Uma certa quantidade de gente à procura
de gente à procura duma certa quantidade

Soma:
uma paisagem extremamente à procura
o problema da luz (adrede ligado ao problema da vergonha)
e o problema do quarto-atelier-avião

Entretanto
e justamente quando
já não eram precisos
apareceram os poetas à procura
e a querer multiplicar tudo por dez
má raça que eles têm
ou muito inteligentes ou muito estúpidos
pois uma e outra coisa eles são
Jesus Aristóteles Platão
abrem o mapa:
dói aqui
dói acolá

E resulta que também estes andavam à procura
duma certa quantidade de gente
que saía à procura mas por outras bandas
bandas que por seu turno também procuravam imenso
um jeito certo de andar à procura deles
visto todos buscarem quem andasse
incautamente por ali a procurar

Que susto se de repente alguém a sério encontrasse
que certo se esse alguém fosse um adolescente
como se é uma nuvem um atelier um astro

Mário Cesariny


Cesariny, poeta e pintor português, faz hoje 82 anos.

Parabéns, Mário!


Susana

O senhor A

O senhor A era muito criterioso na escolha dos livros que comprava: ao pegar num qualquer exemplar, lia a primeira e última palavras. Mediante estas, comprava ou deixava ficar.

Susana

M.

Esta noite, fui tomar café com a irmã do L; descemos de carro até ao Riviera Center, em Carcavelos, perto da praia.
A irmã do L. chama-se C. E a C. tem duas filhas: uma chama-se I. e tem seis anos; a outra chama-se M. e conta apenas três. Fomos as três no banco de trás do pequeno Fiat Uno: eu no meio, a I. à minha esquerda e a M. à minha direita. A I. foi o caminho todo a tagarelar e sorriu de todas as vezes que olhei para ela. A M. foi o caminho todo calada e nem sequer olhou para mim uma única vez de todas as que olhei para ela (confesso que nunca soube tão bem ser completamente ignorada; cheguei mesmo a invejar tão profundo alheamento, o silêncio absoluto que, de certo, lhe habitava a cabeça).
Tudo isto só para dizer que do sorriso da I. já mal me recordo; do perfil pestanudo da pequena M, pelo contrário, jamais me esquecerei.

Susana

domingo, agosto 07, 2005

mind your own king!

Maybe I don't really want to know
How your garden grows
I just want to fly
Lately did you ever feel the pain
In the morning rain
As it soaks it to the bone

Maybe I just want to fly
I want to live I don't want to die
Maybe I just want to breath
Maybe I just don't believe
Maybe you're the same as me
We see things they'll never see
You and I are gonna live forever

Maybe I don't really want to know
How your garden grows
I just want to fly
Lately did you ever feel the pain
In the morning rain
As it soaks it to the bone

Maybe I will never be
All the things that I want to be
But now is not the time to cry
Now's the time to find out why
I think you're the same as me
We see things they'll never see
You and I are gonna live forever

We're gonna live forever
Gonna live forever
Live forever
Forever


Live Forever, Oasis, este ano no Sudoeste. Fantástico.

João Campos

sábado, agosto 06, 2005

O racionalista

Sempre que queria gabar a mulher, dizia: "A tua inteligência é muito bonita."

Miguel Moura Santos

O solitário

Havia um senhor que não gostava da solidão. E, mal ficava aborrecido, ligava aos amigos pedindo que lhe ligassem.
Miguel Moura Santos

Faz hoje 60 anos

Há 60 anos, em Hiroxima, foi lançada a primeira bomba atómica sobre uma cidade. Quatro dias depois seria a vez de Nagasaki. Na era da ameaça de proliferação nuclear, depois de ter lido as notícias e os testemunhos de sobreviventes, não pude deixar de recordar as célebres palavras de Albert Einstein: «Não sei como será a terceira guerra mundial, mas sei que a quarta será feita com pedras e lanças.»

Susana

sexta-feira, agosto 05, 2005

A rapariga

- Bom dia!, ouviu exclamar. De imediato, ergueu a cabeça (não o fazia há uma eternidade) e procurou, com o olhar, o rosto de quem lhe falava. Uma rapariga nova, com os seus 25 anos, olhava para ele, sorrindo. Perplexo, tentou fixar-lhe o sorriso simpático dirigindo-lhe outro (manifestamente exagerado para a ocasião).
- Está interessado em comprar a "Cais" e ajudar os sem-abrigo?
Sem desfazer o sorriso, retirou várias moedas do bolso e trocou-as, com a rapariga, por meia dúzia de folhas de papel agrafadas. Não sabia ler, mas a sua mãe sempre lhe dissera para ajudar os outros.

Susana

Lucidez materna

Olhava-o sempre com sincera admiração, mesmo sendo o seu único filho e não lhe podendo ensinar nada.

Susana

O diplomata marítimo

Longe da areia, entre as águas, um homem, sozinho, dialogava com o mar, como se fosse um diplomata marítimo.

Miguel Moura Santos

Paradoxo da comunicação moderna

- Conheces a Ana?
- Conheço, mas não sei nada sobre ela.

Susana

Como saber que está (mesmo!) a precisar de exercício físico

Quando, ao realizar o simples acto de tirar a t-shirt que traz vestida, sentir uma cãibra num dos braços.

Susana (ligeiramente aflita do braço direito)
Estava, por fim, sozinha. Sozinha no quarto de paredes nuas, frio como se a brisa do exterior passasse por brechas invisíveis nos blocos de obsidiana. Acercou-se da janela, banhada nos seus vidros baços por aquela lua carmesim que pairava nos céus, tornando a noite em sereno dia de sangue. Fitou-a, rubra no alto, no seu pedaço de céu sem estrelas. Algo de sombrio trespassava o sinistro astro, que lhe prendia o olhar azul e por ele parecia querer sugar-lhe a alma imaculada que as suas plumagens de breu escondiam. Mas os mesmos olhos que temiam a lua de sangue fascinavam-se pela sua visão desconcertante a emergir nos céus carregados. Apoiou os cotovelos à rocha do parapeito; um arrepio de frio percorreu-lhe a espinha por um segundo. Não o sentiu mais. O seu olhar perdeu-se - como seria possível tamanha beleza no coração das trevas?
João Campos

quinta-feira, agosto 04, 2005

Elementar

«Ficas para sempre responsável por aquele que cativaste.»

St-Exupéry

O principezinho

Susana

Tentativa de definição

Um pessimista é um optimista bem informado.

Susana

Uma questão subtil

Subtileza homossexual - Usar na praia uns calções que digam sobre o rabo No Fear.

Miguel Moura Santos

quarta-feira, agosto 03, 2005

Night is young

de repente no meio da rua
não se saber onde se está
de repente no meio da rua
não se saber quem se é
não encontrar o bilhete
de identidade nem a chave
de casa nem o dinheiro nem
conhecer os sapatos que
se trazem nem as calças e
a camisa eventualmente
o casaco nem compreender
a língua que falam todos
os que de roda se puseram
empurrando-se para ver
melhor

[...]

Alberto Pimenta
Obra Quase Completa


Night is young ‘cuz we are the night.


Susana

Paradigma da polissemia

A palavra francesa "bisou".

Susana

terça-feira, agosto 02, 2005

A quem pratica skimboard no Verão II

Não retire o wax (evidentemente com a ajuda do secador) no interior do seu quarto. Arranje uma extensão e faça-o no quintal. Há sempre pedacinhos de wax que se colam ao chão e depois, para retirar, só com o esfregão (e muita, muita paciência).

Susana

Mensagem numa garrafa

Não há quaisquer sinais de civilização no horizonte, não importa para que lado olhe. Ainda me resta uma quantidade razoável de bens vagamente necessários - leia-se comes e bebes -, mas tudo o que é bens de primeira necessidade - álcool e cigarros - já desapareceu. A ligação wireless quinou há dias quando o modem foi devorado por algum animal selvagem, pelo que agora apenas me restam os sinais de fumo a 35kps para comunicar à distância - num acesso de fome, o pombo-correio foi assado na fogueira feita para os ditos sinais. Não disponho de contactos sociais ou de qualquer conhecimento humano minimamente sociável nas imediações. Todas as leituras agendadas já foram lidas.
Não sei se alguém lerá esta mensagem. Mas, se tal acontecer, pode saltar todo este texto e ler apenas a última frase, que creio sintetizar toda esta situação: HELP ME!
João Campos

A quem pratica skimboard no Verão

Não deixe o wax ressecar. Depois, para retirar, só com o secador (e muita paciência).

Susana

Jorge de Sena II

Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto que não fruíram,
aquele gesto de amor que fariam “amanhã”.


Fragmento de Carta a Meus Filhos Sobre os Fuzilamentos de Goya

Susana

Jorge de Sena

Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto,
o que vos interesse para viver.


Fragmento de Carta a Meus Filhos Sobre os Fuzilamentos de Goya

Susana

segunda-feira, agosto 01, 2005

Um senhor corajoso

Um senhor corajoso queria pôr termo ao vento. Mas a única solução que conseguiu encontrar foi construir um muro tão grande que nem o vento forte o conseguisse ultrapassar.
Miguel Moura Santos

The human nature

Guerra s.f. (Do germ. werra 'combate'). 1. Confito armado entre nações ou grupos sociais, relacionado com questões de natureza económica, territorial ou ideológica.
Paz s.f. (Do lat. pax, pacis). 1. Situação de qualquer país que não se encontra em guerra com outro.
Dicionário da Língua Portuguesa Contemporênea, Academia das Ciências de Lisboa
Miguel Moura Santos

Futuro

Cabe aos mais novos acreditar no futuro, e aos mais velhos acreditar nos mais novos.

Susana

A diferença

Entre um esquizofrénico e um daydreamer a diferença é só uma: um é doente, o outro não.

Susana

O mendigo

Tinha por hábito atravessar as avenidas como se desejasse um atropelamento condigno, radical. Mas era apenas ilusão: já não desejava nada.

Susana