Saudades da "Pedra Sobre Pedra"...
É estupidamente absurdo ver um dos nossos canais privados a um dos dias úteis - qualquer um - a partir das quatro da tarde (também o é antes das quatro da tarde, mas isso fica para outra oportunidade). Invariavelmente, somos bombardeados por novelas, todas diferentes mas todas, no fundo, muito iguais. Dou por mim a perguntar-me quem raio vê esta autêntica carnificina televisiva, a meu ver bem mais perniciosa que a violência nos videojogos ou os palavrões que se dizem em horário nobre.
O curioso é analisar as falácias que as sustentam. Pensemos nas ditas "novelas para os jovens". Todas elas têm latente o objectivo de "educar". De formar. De dar conhecimento. Há dias, o meu zapping parou na TVI e apanhei uma cena de uma novela com um casalinho de namorados (ou assim parecia, a avaliar pela forma como enfiavam a língua até à traqueia um do outro) a passear na Madeira, onde aproveitavam para explicar o que eram os socalcos e as levadas. É possível que seja eu o precoce aqui, mas o meu manual escolar do quarto ano de escolaridade explicava isso. E a questão nem é essa - entre as deixas "educativas", estes programas são autênticas máquinas de estereótipos.
Para já, porque as diferentes personagens se baseiam em estereótipos, ignorando quem escreve os argumentos que os estereótipos na adolescência - e é um adolescente quem o diz - são tudo menos estanques. Serão mais um mito do que um dado adquirido. E os estereótipos representados reflectem-se depois em quem vê - replicando-os na realidade. Ou seja: surgem as meninas e os meninos a quererem ser como esta ou aquela personagem da novela das nove, a utilzarem as mesmas (más) expressões, a vestirem-se da mesma forma. A darem ares de muito correctos ou de pseudo-rebeldes.
Também há aquelas que comovem meio mundo com os seus dramas baseados em casos reais - leucemias, psicoses obscuras, entre tantas outras. Chamam a atenção das pessoas para aquele problema, é verdade. Mas puxam pelo sentimentalismo mórbido, não pela informação. Toda a gente ficou a saber que a leucemia se pode tratar com um transplante de medula, mas quem ficou a saber em que consiste a leucemia, ou que é, afinal, a medula óssea..?
Sinceramente, tenho saudades do tempo em que as novelas, sem pretenções de formarem, moralizarem ou outras quaisquer intenções mais obscuras (quiçá obscenas...), eram histórias bem contadas, com bons desempenhos da parte de excelentes actores. Pena é que tais novelas estejam hoje extremamente datadas.
É um daqueles casos em que a tradição já não é mesmo aquilo que era... mas devia.